Nalguns dias faltava à escola. Sem grande sorte porque aquilo de viver numa aldeia tinha os seus custos. Quando Marília e ela faltavam, a professora corria para o único telefone da escola e perguntava se havia algum problema na quinta. Ambas tinham como certos, o castigo em casa e as reguadas no outro dia, que a D. Maria de Fátima não era boa de assoar. Ainda assim, ambas achavam que valia a pena a liberdade daquelas correrias pelos campos e o lanche simples de leite acabado de mungir e pão com marmelada que lhes davam na casa do António, onde, sabia lá ela porquê, acabavam sempre por ir parar. António era pouco mais velho que elas, mas já trabalhava no campo, abandonada que fora a escola, por razões que aos pais pareciam maiores. Muita pobreza havia por aquelas terras, lado a lado com a riqueza dos donos das vinhas a perder de vista. Eram outros tempos. Seriam? Voltando às “meninas da quinta”, Marília era mais novinha e em tudo via motivo de risos. Brincar com os animais à volta da casa ou à “apanhada” com as irmãs de António (família grande, que era assim que Deus queria) fazia a sua felicidade. Filomena, já mais crescidinha, falava com a senhora Rosalina, sem tirar os olhos do portão. Quando o coração disparasse acelerado, era sinal que António voltava. Sorria-lhe e ajudava-o a arrumar as alfaias, feliz só por estar perto. Mais tarde Filomena saberia dar nome àquela doçura inquieta que a invadia, junto de António. Mas já estaria tão longe que dele só lhe restaria a recordação de uns olhos muito azuis. Naquele tempo, o melhor do dia, o que verdadeiramente a fazia esquecer os castigos e as reguadas que a esperavam, era quando a senhora Rosalina dizia: “António, já se faz tarde, vai levar as meninas à quinta, não se vão perder por esses campos”. Longe da casa, António dava-lhe a mão – és tão desastrada que ainda cais – e assim iam, muito devagar porque as pernas de Marília talvez não os conseguissem acompanhar…
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22 comentários:
Tão doce e terna esta história...gostei muito. Beijinhos.
Dose dupla de prazer: o de ler a tapeçaria bem entretecida do teu esplêndido texto, o de ouvir sempre e sempre esse par(os meus preferidos) magnífico do jazz no Blue in Green.
Não me canso:))
Linda foto bela
belo texto
Por uns momentos "senti" Júlio Dinis. Há muito que não me acontecia.
Um beijo.
Oh! mas que ternura...
bjs
Ah o primeiro amor...
Adorável a tua prosa!
Fica-se à espera de mais!
Beijinho
Da pureza.
minas d'água brotaram,
nas meninas dos olhos.
De regresso às minhas visitas virtuais encontro esta ternura de texto. Tão bom!
como água para chocolate
como verde para azul-so-lar :)
beijO
~
Que belo texto tão visual que se conseguem ver os campos, as figurinhas das meninas, os olhos do António e sentir uma certa nostalgia de algo indefinível! Parabéns.
Um abraço da Isabel
PS - Quando puder, passe também nos nossos outros blogues, npmeadamente no Poesia Viva, no Observatório e na Newsletter from Lisbon
gostei muito do texto.
excelente e (disreta) colcha de emoções.
beijos
Esse bater do coração, o acelerar das pulsações, tão inocente e tão verdadeiro. Beijo
o amor no seu estado puro....é auto-retrato? filomena tu?
Doce e inesquecivel como devem ser todos os primeiros amores.
Adorei o passeio e a gazeta...
Tempos que já não voltam. Será?
Que ternura de texto...adorei!A foto maravilhosa como sempre também.
Jinhos muitoooos
Belo belíssimo!
Estou voltando da viagem de férias e
Resolvi dar uma passadinha nos meus blogs
Preferidos... o seu é um deles.
Deixo pra ti um grande beijo de boa noite!
Que história tão ternurenta!!
Tão doce... Fez-me lembrar a minha infância...
Gostei, muito mais que muito..!
beijinho*(=
Hum..tens saudades? eu confesso que não tenho saudades de nada..tenho sim muitas e boas memórias..(time dos frémitos :-) )
abraço
intruso
Muito querida esta história. Parece daqueles filmes antigos.
Muito boa noite.
Olá Vida!
Belíssimo texto.
Bjs
Saudades de infância, quem as não tem?! quase toda a minha escrita ( o pouco que escrevo) vem da minha infância.
Bonito texto.
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