terça-feira, outubro 17, 2006

Excertos de uma longa lista e um adágio





Comecemos com a palavra distância. Juntemos-lhe inevitável:

- A distância é inevitável

Uma frase a pôr na minha lista negra. Digamos que inevitável é a morte, o resto tem a ver com a nossa vontade, o nosso arbítrio.

E se agarrarmos a palavra vida e juntarmos assim:

- A vida é assim

A lista negra aumentou. A vida só é assim (seja lá assim o que for) se quisermos que o seja.

E depois vamos compor qualquer coisa:

- Tudo se comporá.

Desta vez a lista transborda. Compor só mesmo se significar criar. Remediar, pôr paninhos quentes, suavizar o que dilacera, isso não!

É desta forma que a lista negra de palavras e frases feitas se vai enchendo e me põe com aquela “telha” que me faz repetir vezes e vezes as minhas músicas de “curtir fossa”. Tenho uma, de eleição, que repito vezes sem fim até que outras palavras me ajudem a construir uma contra-lista (esta palavra não existe, mas fica bem aqui). É o adágio de Albinoni. Fica aqui a tocar, hoje. Porque já encontrei outras palavras para uma lista… azul, só pode ser!

Esperança que vai bem com construir:

- A esperança constrói o futuro.

Amor que deve rimar com alegria (não, com dor não!):

- O amor é a alegria da vida.


E ficamos por aqui hoje que, de frases feitas, negras ou azuis, estamos conversados. Restam uns reflexos de mim, como cores esbatidas num espelho de água.





Foto by vida de vidro



[... e vou gozar os meus últimos dias de férias deste ano. Devo voltar lá para o início de Novembro. Beijos, muitos.]

sexta-feira, outubro 13, 2006

O bater do coração






Corre o tempo
e tudo muda
o vento que traz a dor
e o riso que alimenta
o bater do coração.
Passa a vida
e na esquina
após cada mutação
existe um outro local
tão diverso e tão igual
onde o ciclo recomeça.
Mas a venda da ilusão
muda as cores
muda a emoção,
sendo que tudo é tal qual.
E o tempo que não pára
vai mudando sem mudar.
Riso e dor trazem consigo
o mesmo bater trocado
no ritmo do coração
e aquele vento antigo
que nos coloca na esquina
duma nova mutação.



Foto by B Berenika

quarta-feira, outubro 11, 2006

Em terras do Mirandum





“E era aquele concerto, uma sinfonia em tons e sons, a contrariar aquele calor todo. Gritos de uma gaita-de-foles, com o seu fôlego a correr pelos fraguedos (…) com ritmos marcados nas evocações antigas de sonoridades celtas que parecia sempre terem ali estado”

“ I era aquel cuncerto, ua sinfonie an tons i sons, a cuntrariar aquel calor todo. Gritos d’ua gaita-de-foles, cun l seu fôlego a correr puls fraguedos (…) cun ritmos marcados nas eibocaçones antigas de sonoridades celtas qu’até parecie que siempre habien alhi stado”

Jorge Castro, in Havia Trigo (Habie Trigo)
Ed. bilingue – tradução para mirandês de António Bártolo Alves




Terras de extremos. De pedras e árvores antigas. De vales escavados em rudes escarpas e dum rio que neles passeia a sua majestade ou se faz pequena serpente de água que nos cativa o olhar. De paisagens que nos esmagam e cortam a respiração. De calor que nos abrasa e frio que nos remete para o quente das lareiras na intimidade mesclada de aromas das alheiras, dos chouriços, das ervas, do mel. Nove meses de Inverno e três de inferno, diz quem por lá vive…
Terras onde se guardam rituais antigos, repetidos, relembrados, povoando a imaginação dos mais novos e os medos ancestrais dos mais velhos. Tudo é transmitido em palavras, sons de tambores e gaitas de foles, sabores que se aprendem nas velhas cozinhas. Tudo é tão diferente e afinal tão enterrado nas nossas raízes que uma língua que é nossa e não é, brotou e cresceu falada por gente áspera mas doce, de anedota brejeira que sai em desafio rápido à rudeza da vida. Terras lá bem longe dos que vivem virados para o mar. Bom será lá ir, para saber de Portugal mais do que o quotidiano nos ensina.





Foto by vida de vidro

segunda-feira, outubro 09, 2006

Manhã de sol incerto






É nas manhãs de sol incerto que encontro a vida suave das árvores que me fitam, imóveis. E o canto ligeiro dos pássaros, quase inaudível para quem não está atento.
Existe um quase silêncio quebrado pelos passos de algum caminhante que talvez queira só olhar as folhas que começam a cair. Ou, quem sabe, talvez aproveite a quietude da manhã para se conseguir ouvir.
Quando o sol começa a querer afirmar a sua presença e a hora avança nos passos apressados e no ruído dos carros que chegam, é altura de partir. Até as árvores já perderam o seu ar de confidentes, sabedoras de segredos antigos. Vão entrar na rotina do dia, simples árvores que quase ninguém olha. Estarão aqui numa outra manhã de sol incerto, esperando quem com elas fala, em silêncio.




Foto by vida de vidro

segunda-feira, outubro 02, 2006

A árvore e a borboleta





Para ti não serei árvore
não terás o meu tronco como apoio
nem as raízes que suportam tempestades.
Não encontrarás em mim a seiva
que desperta a força de viver.
Se me quiseres borboleta
dançarei à tua volta o meu voo de mil cores
poisarei em ti as asas com um frágil bater
efémero como tudo o que a terra não prende.
Serei talvez borboleta
que no desejo de em ti permanecer
se une ao solo e cresce
no caule ondulante de uma flor silvestre.



Foto by Lilya Corneli



[Volto na próxima 2ª feira. Um bom fim de semana prolongado ou apenas um bom feriado para todos.]