quarta-feira, março 28, 2007

Pedaços




posso ter mil faces
espalhadas
mil bocados de mim
rasgados
pedaços de um todo
partido
a vida é só uma
e eu nela
sem multiplicação
de caminhos.


(Outubro 2005)

Foto by Graça Loureiro


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Por falta de tempo e inspiração faço um intervalo durante cerca de quinze dias. Desejo uma Boa Páscoa a todos os que por aqui passarem.

domingo, março 25, 2007

Trilho do sonho




No silêncio das manhãs encontro-me comigo, num voo de alma sobre as notas de cristal lançadas no vento. Procuro-te em mim nessas horas límpidas. Lentamente, chegam-me os momentos aninhados num canto do pensamento. O dia avança, mancha alastrando em puro linho. Pouco a pouco, o ruído suja a alvura matinal que surgiu da madrugada. Nas horas moldadas pela erosão dos sons fujo contigo para o trilho do sonho, mágica vereda onde, na procura da improvável harmonia, deixo de nós um rasto de esperança.

terça-feira, março 20, 2007

Poeta, não...




Poeta não sou
Busco as palavras
Como quem percorre um labirinto
E se um dia as encontro
Pequenas, rudes, bravas
Para dizer por mim aquilo que sinto
Poeta, isso sim…
Nem sequer vejo mais alto
Ou finjo ser aquilo que até sou
Não tenho sonhos de ouro
E se, de mim, a ave sonha que voou
Quebra o voo nas asas imperfeitas
Os caminhos de larga poesia
Terminam sós, em veredas estreitas
Poeta não sou
Nem é meu destino a poesia
O poema dói quando sai do peito
Mesmo que seja um grito de alegria
Poeta, talvez só para ti
Nos dias em que paramos o tempo
E no todo de nós que se entrelaça
Há um poema solto
Rima alada de um momento.


Foto by Ewa Brzozowska

sábado, março 17, 2007

Olhando uma foto (II)




Tropeçou em destroços de palavras que se afogavam em águas aparentemente paradas. A luz trespassava-lhe o corpo. Como se fosse o primeiro dia da criação. E quedou-se ali, espectadora à beira do lago estagnado. À tona de água, farrapos de desilusão previsível. Não os afastou, não os tentou apanhar. Limitou-se a segui-los com os olhos sem brilho. Era a hora de se afastar dali. Ansiava lavar o olhar em água límpida.




Foto by Nirvina Li

quarta-feira, março 14, 2007

Uma rosa é uma rosa...




Uma rosa é uma rosa é uma rosa, disse Gertrude Stein. Foi o que senti quando a vi, rosa deixada numa jarra como singela homenagem num dia especial. Porque, para aquela flor, não havia outra definição. Por vezes somos atraídos pelos botões ainda mal abertos, com toda uma vida por desfolhar. Aquela já tinha passado essa fase. Era uma rosa madura. As pétalas abertas já não tinham a frescura da juventude. No entanto, podíamos adivinhar a sua macieza e o seu perfume. Intenso e voluptuoso. Rosa mulher em todo o esplendor de uma idade de ouro. A seguir começaria o declinar. Olhando-a, tive a certeza que aquela rosa queria deslumbrar assim, no auge da sua cor. Tinha sido colhida no momento exacto. Na verdade, uma rosa é uma rosa é uma rosa…

domingo, março 11, 2007

Das pequenas coisas verdes




Nas folhas finas das árvores
O sopro leve do ar
Faz pequenas ondas verdes


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Cai a chuva no passeio
E a água fica parada
Em pequenos lagos verdes


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No momento do adeus
Vi nos teus olhos magoados
Pequenos reflexos verdes

quinta-feira, março 08, 2007

Os olhos das mulheres




Os olhos das mulheres trazem consigo a água das nascentes.
Meninas, deixam que ela brilhe reflectindo as cores que delas se abeiram. Essa é a idade em que a água, por vezes, turva para sempre.
Mulheres, transbordam-na para os olhos dos amantes, esperando que, ao recebê-la, eles lhes entendam a alma. Difícil é entender a alma de outro ser e a água perde a luz em cada amor que termina.
Amigas, partilham-na com quem tem sede daquela transparência. E guardam reservas em recantos, mesmo quando tudo à volta parece ter secado.
Mães, fazem dela dádiva total, ainda que a sede lhes torne os olhos baços. E encontram sempre mais um pouco, mais uma gota. É aí que a nascente se torna rio.

Os olhos das mulheres levam consigo as miríades de cores que os outros lhes quiserem dar.


(Outubro 2005)

Foto by M Karez

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[Porque não devia existir nenhum Dia Internacional...]

segunda-feira, março 05, 2007

Já não...




Já não falo
Já não digo
Da premência
Da tristeza
Da dolência
Da certeza
Da saudade
Que invade
Que demora
Que se mostra
Toda a hora
Sou composta
Comportada
Bem disposta
Humorada
Com sorriso
Muito siso
Tão diferente
Mesmo assim
Tão ausente
Tão sem mim.


Foto by Marília Campos

sexta-feira, março 02, 2007

Olhando uma foto (I)




O mar da saudade


Sempre no mar te procuro quando o barco que te leva se afasta. Uno a voz ao cântico doce amargo de gerações de espera. Nas rochas encontro outros olhares que por ali ficaram. O tempo desfaz as barreiras na unicidade de sentimentos. O mar da saudade é um só, em todas as praias onde morre.




Foto by Maria Flores, The sea will bring you through the times III