sexta-feira, outubro 28, 2011

Suave rio




Hoje precisava de inspiração e as palavras fogem-me escorregadias. Nada fica no ecran, nada do que queria dizer e deixar marcado. Exactamente hoje. Deixo apenas aquilo que o cansaço não mata, o que está tão dentro de mim que escorre dos dedos, mesmo involuntariamente. Hoje é apenas o dia de deixar transbordar o suave rio da ternura.

domingo, outubro 23, 2011

Ciclo infinito



Voltou a chuva. Anotou o acontecimento no pequeno caderno. Aquele hábito de ligar os ritmos da natureza aos seus, pareceria talvez estranho. Mas ninguém, a não ser ela, lia o caderno. E também nunca lhe causara preocupação que a considerassem estranha. A chuva aninhava-a em si própria numa semi-apatia. Deixando que em si chovesse também. Sinal de renovação, diriam os antigos. Aqueles que iam desaparecendo da sua vida. Em nome deles, deixou que a chuva interior fizesse o seu trabalho. Tudo renasceria na natureza. Como sempre, naquele ciclo infinito que é o tempo. Também nela a vida seguiria o seu caminho, passando outra vez dos dias de sol àqueles em que parece chover no mundo inteiro. Enroscou-se um pouco mais, escutando a água que batia nos vidros. Dentro de si, acarinhou a semente da alegria.
No caderno, ficou só uma nota : “Hoje voltou a chover. Espero que as flores me nasçam nos olhos, lá para a Primavera. Segundo o calendário, já não falta muito.”

sábado, outubro 01, 2011

silêncio



o silêncio
um pouco de nada no dia que passa
uma aragem gelada no calor da tarde
um frio suor nas noites de insónia.
nada existe
para lá da certeza exacta da distância
que em nós interiormente se afirma
no amargo sopro do desencanto.
nem a espera
a vida não tem margem que a pare
e as horas arrastam-se e correm
num mesmo tempo simultâneo.
só a esperança
que entra pelas frestas do desejo
de viver.

foto: Dionísio Leitão

publicado em Mulher dos 50 aos 60 em Agosto 2005