domingo, setembro 30, 2007

A canção da chuva




A chuva tem um poder. Leva-nos, em viagens interiores, a lugares adormecidos nos dias de sol. Descobrimos veredas sombrias. Ou caminhos largos de amor à vida. Potencia o que em nós está dormente. Por dentro. Acentua a dor, dá asas à alegria. Tanto nos apetece deixá-la escorrer pelo corpo dançante como protegermo-nos num casulo sem abertura. A chuva cai. É o que dizemos. A chuva entranha-se. Na terra e em nós. Tal como arrasta terras e lama, revolve sentimentos. Perguntamos. Perguntamo-nos. Sobre a vida. Sobre nós. Por vezes não queremos resposta. Talvez só a que vem da canção que soa nos vidros. Murmura-nos palavras de tristeza. Conforto. Purificação. A chuva é imprevisível.

quarta-feira, setembro 26, 2007

As tardes




Agora as tardes já se perdem
no vulto dos barcos no ocaso.
No sonho de navegar olhos vagueiam
por letras do passado em corpo lasso.
Há rotas por explorar em fim de dia
antigos risos reflectem o sol poente.
Soltam-se sonhos
lembranças vagas de outra gente
que não nós,
ancorados na tarde da melancolia
à margem de uma vida já urgente.


Junho 2006

domingo, setembro 23, 2007

Vestígio ténue




Escuto os sons da casa
Murmúrios
Retidos nas dobras do tempo
Já a voz não ilumina
As sombras que se deitam nas paredes
Paira um vestígio ténue
Dos aromas vibrantes de outrora
Talvez esteja em mim
Guardado
Sou eu mais que um sacrário
De lembranças
Que se consome passo a passo
Na senda de duvidosa redenção?

quinta-feira, setembro 20, 2007

desertos




há desertos construídos em nós. por nós. áridos de desesperança. escondemo-nos neles. guardamos neles a tristeza de pedra que gerámos. e fechamos as portas. só nós? nós, sós.
um deserto não tem portas. dizem. aqueles que não sabem ser possível abrir a porta do deserto. devagar. muito, muito devagar. a água entra. balsâmica. e a porta abre mais um pouco. até que já não vemos o deserto. apenas o céu azul com nuvens de melancolia.

segunda-feira, setembro 17, 2007

(Re)escrever caminhos




Regresso. Como um artista que acaba sempre por regressar ao palco, mesmo que tenha de trabalhar sem rede. Tenho só uma certeza. Não vou escrever a página em branco. As palavras não vão refazer o poema deixado por adivinhar. Neste momento, espero que as palavras me ajudem e escrevam o meu caminho. Deveria ser possível. Deixar as palavras juntarem-se na criação de um caminho futuro. Usar a escrita para o ir percorrendo, passo a passo… Fantasias. A verdade é que quem ama a escrita, acaba por voltar. Como o artista. Neste palco ou em qualquer outro, tentarei (re)escrever caminhos. Sem poemas, por agora.




Foto: Antuérpia, junto da Vleeshuis