sexta-feira, setembro 26, 2008

A casa do jardim




Ali estava, frente à entrada. Procurava na memória o tempo em que vivia na casa do jardim. Davam-lhe o nome as flores e a hera que entrevia sempre que a mãe lhe abria a janela do quarto. Para deixar entrar o sol, dizia, mesmo quando lá fora a manhã era cinza. A mãe tinha olhos verdes. Lembrava-se desses olhos de esperança da sua infância. Quando pensava nisso, parecia-lhe que a cor dos olhos dela mudara, à medida que a vida passava. A última lembrança trazia-lhe a cor cinzenta, baça. Depois, era a ausência. O silêncio. Ninguém lhe disse o que tinha acontecido. Ninguém mais lhe abriu a janela do quarto na casa do jardim. Pouco a pouco, lembrava-se de perceber o abandono que em tudo se reflectia. Ainda conseguia entrever os sinais da negligência e a tristeza que das pessoas passava para as paredes da casa. Até que todos a abandonaram de vez. Todos partiram. Ela seguiu a vida possível e foi esquecendo os dias felizes embalados pelos olhos verdes de esperança. Durante muitos anos, não quis passar pela casa do jardim. Muitos anos, os de ser mulher, os de criar filhos, os de envelhecer. Os de se sentir só, plena de lembranças. Agora olhava a ruína em que a casa se tinha tornado. Enfrentava-a, finalmente. Com a ternura de quem sabe que uma casa não é só paredes e conforto. É o amor dentro dela. O amor que faltara para manter o verde dos olhos da mãe.



[No PPP , o tema da semana passada foi "Ruína" e esta foi a minha foto. Depois deu-me para escrever à volta dela... Um bom fim de semana para todos! ]

quinta-feira, setembro 18, 2008

Branca aspereza





Branca aspereza, a dos longos campos de sal. Dentro da luz agressora, vislumbram-se lentos caminhos em que o branco se desdobra em cambiantes de cor. Filas de aves iguais alinhadas, sonolentas, extáticas sob o sol. Por vezes, por um som inusitado, o voo desgarrado ou em bando.
Homens de corpo tisnado fazem o ofício de “lavrar” os campos de sal. A luz reflectida fere-lhes os olhos e curte-lhes a pele. Como se com o próprio sal a esfregassem. Criam montes brancos, cintilantes, que aguardam que outros homens os transportem. E o ciclo recomeça nas salinas onde ainda o sal não se adivinha. Lentamente, à superfície da água, separa-se uma fina película como gelo quebradiço. É cuidadosamente tratada, orgulho daqueles homens calejados. Chamam-lhe a flor do sal.

domingo, setembro 14, 2008

Suave Setembro




Suave Setembro que revelas a cor prata das semi madrugadas em que as aves do sapal iniciam o voo;
és brisa leve das manhãs no jogo de escondidas com o sol;
aqueces o corpo inquieto em tardes quentes de Verão ainda vivo;
trazes os primeiros arrepios agasalhados em casaquinhos leves com cheiro de Outono;
prendes o olhar em doces ocasos, desejos dourados dos dias por vir;
lanças o sonho em noites de silêncio que murmuram com o vento segredos das pedras e das plantas.

Suave Setembro, estação de equilíbrios novos. De calma transição.