segunda-feira, dezembro 24, 2012

Porque é Natal




A quem aqui passar, desejo tudo o que cabe nestas mãos. Seja por que ordem for: paz, amor, fé, esperança, acreditar. Um BOM NATAL para todos!

domingo, outubro 28, 2012

A qualidade de eterno






For a taste of eternity by hypnotic


Racionalmente a eternidade não existe. Nada está destinado a ser eterno. A não permanência das coisas e dos sentimentos é uma regra que implicitamente conhecemos e que nos faz recear o que nos tira da nossa zona de conforto. Afinal para quê? Tudo acaba.
No entanto, por vezes, deparamo-nos com algo que ficará em nós para sempre, ainda que na crua realidade não fique. Há um reconhecimento inconsciente dessa “qualquer coisa” que tem a qualidade da eternidade. Contra todas as evidências e probabilidades, algo se aloja dentro de nós para sempre. Desaparecem medos e dúvidas. O que tem a qualidade de eterno é conhecido e aceite.
Hoje, agradeço aquilo que, para mim, tem a qualidade de eterno. Sei lá porquê hoje. Os dias não têm, em si, qualidades diferentes. Somos nós que os fazemos diferentes. Hoje eu quero um dia de sorrisos partilhados. Plenos de eterna cumplicidade.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Presença do Outono

 
 
Na soleira da porta
a sombra avança
sem mais aviso.
Só a ténue mudança
da cor dos dias
e a leve brisa dançante
na persistência do sol.
O ligeiro arrepio da tarde
e a indefinida melancolia
tão estranha e tão conhecida.
Fora dos postais de cor dourada
entregamos alma e corpo
à inevitável presença do Outono.

domingo, julho 29, 2012

Cegos de emoções





Como cegos de emoções
deixamos as palavras perderem-se
caídas nos interstícios do real
arrastadas nas margens da vida.
Véus tapam-nos os olhos abertos
todos os poemas perderam
o seu dizer primordial
não vemos a essência dos outros
que à nossa frente se rasgam.
Lentamente perdemos o fôlego
não vemos, não ouvimos
não respiramos.

terça-feira, julho 24, 2012

O balanço do vento




Somos folhas nascidas nas árvores
Aos raios primeiros do sol
Saboreamos no balanço do vento
O apelo profundo da terra      
Bebemos a doçura das manhãs
Gloriosamente ébrios de luz
A vida penetra-nos mais uma vez
Noviços eternos na arte de renascer

domingo, julho 15, 2012

O barco verde






Um dia alguém perguntaria como tinham conseguido viver naquele tempo. Uma era de perdas, desencantos, de revoltas reprimidas, caladas na garganta e não gritadas no vento, de pesadelos sobre o dia seguinte. De alguma forma, tentava pôr a navegar o barco verde que lhe ficara parado nos olhos. Não encontrava o caminho dos rios, muito menos a rota infindável do mar. Mas provavelmente isso não iria interessar nada aos que, mais tarde, tentariam fazer a história daqueles dias. Nos escritos em que ficariam registados os acontecimentos daquela época, que importância podia ter o barco verde que se desfazia a pouco e pouco e nunca mais sentiria o fluxo das águas a empurrá-lo? E, quando a história se fizesse, ela e o barco estariam longe, nas terras para lá da terra. Nesses lugares que não conhecia, estranhas lonjuras envoltas em nevoeiros de dúvida. Mas voltando à arte de sobreviver naquela época, talvez todos guardassem o seu barco. De cores diferentes, com diferentes ânsias de atingir a água. Seria o desejo comum de navegar que lhes mantinha a esperança dum amanhã diferente? Não seriam todos barcos vagueando, à procura da corrente favorável? Pensava, mas não diria nada aos pretensos historiadores, que o que os fazia viver por aqueles dias era a incerteza. Meia certeza, afinal. Meia certeza de que, um dia, a água estaria perto. E, dos olhos de todos, partiriam os barcos. Para onde? Essa era outra história para alguém contar.

quinta-feira, junho 21, 2012

O vestido vermelho





Agora consegue lembrar-se. Era um vestido vermelho. Não uma simples saia. Se a memória era fiel, era até mais que um vestido. Uma bandeira. Uma afirmação. Envolvia-lhe o corpo e gritava a sua alma ao vento daquele tempo. Havia quem não compreendesse. “Rapariga, não tens outro vestido? Lavas esse e voltas a vesti-lo. Que coisa… “ . E o riso dela era uma cascata vermelha, vermelha. Mais tarde usaria  azuis escuros, castanhos, cinzentos, até xadrez sóbrio. Mais tarde… Tinha tempo para as cores certinhas. As que lhe esconderiam os impulsos tão vermelhos de corpo e alma. Mas naquele tempo, o sol era uma fogueira e as horas dançavam estranhas danças. Tudo era um desafio. Dançava, dançava. Desbravava caminhos e ria, como ria… naquele tempo. Hoje tem infinitas saudades do vestido (ou seria saia?) vermelho. Ou de quem o vestia como bandeira. Sente-a estranha, outra pessoa ainda sem o molde que a vida lhe faria. Ainda seria capaz de vestir aquele vermelho? Já não existe, tinha-se desfeito da roupa numa voragem qualquer de um tempo em que deixara de ter significado. Mas, se existisse? Fechou os olhos e a saia (o vestido?) esvoaçou dentro dela. E o riso, primeiro tímido, depois afirmativo mesmo sem as cascatas de outrora, ecoou na sala. Dançou rodopiando a saia de outrora. Algures, lá bem escondido no fundo de si, o vermelho ainda era um desafio.  

quinta-feira, maio 31, 2012

A página do poema



No toque leve dos dedos
Abro a página do poema
Deixado na beira do tempo
Em busca do sentido perdido
Entre linhas de papel antigo
De laços nossos, só palavras soltas
À margem de qualquer realidade
E o som envelhecido de um riso
De mim, o poema que murchou
Na poeira infinita de cada dia

Passo a página alongando no espaço
A carícia dos dedos sobre as palavras
E a luz do sonho entre as linhas
Alumia uma trémula mensagem
Um sopro ligeiro de esperança

quinta-feira, abril 05, 2012

Páscoa



Um dia de poemas na lembrança
(Também meus)
Que o passado inspirou.
A natureza inteira a florir
No mais prosaico verso.
Foguetes e folares,
Sinos a repicar,
E a carícia lasciva e paternal
Do sol progenitor
Da primavera.
Ah, quem pudera
Ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!
Sentir no corpo a ressurreição.
O coração,
Milagre do milagre da energia,
A irradiar saúde e alegria
Em cada pulsação.

Miguel Torga


[Boa Páscoa a quem por aqui passar!]

quarta-feira, março 28, 2012

Longe de todos os sonhos



by Irving Rusinow


Longe de todos os sonhos. Dia de enxurradas sem chuva. Pó, apenas. Agarrado ao chão, nem sequer dançante na revolução do vento. Assim hoje e todos os dias deste tempo indeciso. Tudo entranhou a cor da terra seca. Infecunda na amargura de se despedir do amanhã. Seria assim no sempre que lhe restava? Talvez a inquietação, sim. A dúvida acordada. Um olhar longo para lá do pó. Tímida sobrevivência. A espera.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

terça-feira, janeiro 24, 2012

Sonho sem tempo




Se a terra se imobilizasse eu saberia
Se hoje o movimento se invertesse
Soaria algures um alerta de estranheza
No caos informe do secreto pensamento
E o latejo do perigo nos músculos em defesa
Mas nada parece ter mudado desde ontem
Ou dos tempos em que os risos se soltavam
A terra não parou, o tempo não recuou
Os ventos falharam tempestades improváveis
Mas nos meus dias entrou uma espera atenta
Um sopro estranho um alarme sem razão
Aguardo um não sei quê de bom ou mau
Uma antiga história, um final sem princípio
Um sonho sem tempo tornado pesadelo

sexta-feira, janeiro 20, 2012

sons de um dia




Filomena ouvia o som daquele dia. Extravagante, talvez, aquela mania de ouvir cada dia de forma diferente. Não exactamente música, por vezes só ruído, murmúrio ou grito estridente. Aquele era um dia de sussurros que saíam dos cantos das paredes. Entravam nela como portadores de paz, misturados com suaves raios de sol. Deu-se a esse conforto sem reservas e deixou fugir os ruídos traumatizantes de dias anteriores. Lá viria o tempo em que voltariam. Filomena já tinha vivido dias suficientes para saber que nem o conforto interior nem a angústia duram sempre. Os sons dos seus dias poderiam ser já uma sinfonia que ainda não conseguira compor. Faltava-lhe a transição harmónica necessária para transformar ruídos desconexos em música fluente. Sobretudo, subsistiria sempre nela a dúvida de conseguir sentir a vida dessa forma. Que importava isso, afinal? Aquele era um dia de reconfortante suavidade. Por agora, era suficiente.