segunda-feira, agosto 30, 2010

Que fazer com este grito?


Frida Khalo, "As duas Frida"

Sente que deve ser um grito. Rouco, fundo, carregando consigo todo o silêncio guardado. Mas da garganta seca nem um som se faz ouvir e o esgar do rosto quase parece um sorriso. Uma mordaça invisível impede palavras, gestos e, mais que tudo, aquele grito que lhe sobe à boca quando tudo à sua volta louva a vida.

Aterroriza-a o passar dos dias porque o grito perde urgência, aninha-se como memória longínqua. De repente, numa qualquer manhã, sente no corpo suado a dor que do fundo da garganta lhe invade o sangue e a aperta sem dó.

Um dia tudo desaparecerá e o grito ficará bem no fundo, enterrado em camadas de lembranças velhas que só se tornam conscientes quando a angústia o impõe. Até lá, aperfeiçoa as máscaras que escondem a mordaça e que escolhe cuidadosamente em cada dia.

sexta-feira, agosto 06, 2010

abrigos destruídos

Já secaram os oásis
deste lado do deserto
até o gelo arde em brasa
labareda em noite escura
queimadura à flor da pele
calcinando as madrugadas.

Flor caída em solo árido
na margem de ocultos rios
porquê procurar a sombra
dos abrigos destruídos?