quinta-feira, outubro 28, 2010

pela essência



by Bruno Abreu

sei-te não pelos dias mas pelo sorriso
essa curvatura íntima dos lábios
tímidos trocistas no limite da húmida sede
sei-te não pelo tempo mas pelos olhos
jovens pássaros atrevidos na bruma da ternura
caminhantes sem rumo nas rugas do rosto
sei-te pela essência que procurei tocar
adivinhando momentos espalhados no tempo
pelos muitos dias de hoje
e eternas esperanças de amanhã.

domingo, outubro 24, 2010

abismos


by João Miguel Figueiredo

o dia acordou desorientado Filomena pensou no que já tinha perdido e agora voltava talvez naquela manhã lhe apetecesse envolver-se na bruma leve para lá da janela perguntava-se o que significava tudo aquilo a indiferença e as declarações dementes de quem parecia viver num labirinto mais complexo que o seu afinal agora quase já só olhava para trás por não querer prever o que a esperava ou aos outros um dia em que as mãos dela já não os alcançassem e o mundo já não fosse palpável os abismos sempre a tinham atraído não sabia como tinha conseguido fugir de alguns sem danos de maior isto era uma forma de dizer porque as feridas saram mas deixam cicatrizes e em manhãs como aquela doem de tal forma que tudo parece voltar ninguém quer reviver uma queda no abismo Filomena olhou a janela e viu que a bruma se afastava talvez aquele pequeno sol se mantivesse e pudesse olhar em frente até à curva da estrada sacudiu o manto de lembranças e saiu.

quinta-feira, outubro 21, 2010

puzzle


se existisses, saberias sem que te dissesse que hoje a vida é um puzzle cujas peças não encaixam. pedaços sem nexo chegam perto como se fosse possível agarrá-los, construir uma forma, um sentido. veio até mim um desses bocados de vida, viajante incerto de um tempo antigo. paira no ar, tentando fazer parte do puzzle. hesito estender a mão para sentir a sua realidade. sei que é frágil e em breve (se) partirá. pleno de difíceis contornos para construir uma imagem clara. o que consigo é algo deformado, irreal. breve, breve, tudo se distorce e corto a pele nas arestas restantes.
na verdade, não existes, aí no centro dos dias de puzzles e labirintos. pinto a imagem esquecendo as peças. em certos dias há que optar por soluções simples.

domingo, outubro 17, 2010

terra queimada

tantas são as sementeiras como as colheitas falhadas. em chão gretado, plantas secas que qualquer chama incendeia. feridas expostas, impudicas, na terra queimada em plena luz. escondem a vida, fundo segredo silencioso que aguarda o bálsamo improvável da chuva.

terça-feira, outubro 12, 2010

hoje não


by Slava Beilin

hoje não amor
os tons da terra mudam cada dia
nada permanece neste outono de incerteza
por isso hoje não
não fales do que não posso entender
há trilhos sem fim visível
labirintos sem fio que me guie
hoje não sim talvez
...e o medo
infinito arrepio de me perder

sexta-feira, outubro 08, 2010

Com chuva...


by Daniel Camacho

Com chuva abrande a velocidade. Um sensato slogan na estrada que dificilmente se vê, tal a cortina de água. Na verdade, com chuva tudo em mim abranda. Porque não a velocidade ? Enrolo-me, casulo envolto em silêncio molhado. Todos os ritmos são lentos, o sangue não aquece e cada movimento custa. A essência de mim está longínqua, num trilho sem destino. Devia ser como a terra que parece rejubilar. Agora já não sou terra, nem água, nem fogo. Não sinto. A chuva lava. E leva com ela toda a reacção possível. Positiva ou negativa. Dentro do casulo, sou neutra. Fria.
Um dia deixará de chover. Talvez o casulo abra e tudo volte ao normal. Aguardo, com a extrema lentidão das larvas, esperando transfiguração.