Não sei se é o cheiro da casa ou o frio que a entranha por desabitada, sozinha. Uma casa de vozes ecos de tanto tempo atrás que já nem sei se os confundo. Talvez as tias avós já não se separem na memória e a bisavó não vestisse sempre de negro. Dela sei os últimos dias naquela cama grande e o sussurrar dos outros no corredor. E eu pequena demais naquele canto da casa. A pensar que era tudo exagero dos outros, as bisavós não desaparecem, não morrem (o que era a morte naquele tempo?). Um desaparecimento, um ir embora. Mais tarde, quando uma das tias avós (qual delas, agora já tudo é nebuloso) “desapareceu”, já sabia o que era a morte. Tinha-a visto nos olhos dela, dias atrás. Sorriu e despediu-se com a morte nos olhos. E eu rapariga, já mais que adolescente, sem surpresa quando me disseram: a tia morreu.
Nesta casa aparecem-me assim estas confusas memórias e sou sempre pequena a um canto, fugindo das lágrimas da mãe que nunca ali conseguiu paz para viver. Só depois, só quando abandonámos a casa. E ela foi ficando assim desabitada, sozinha. Já nem o pai, já nem ele para nos ligar ao cheiro da casa, para nos levar lá nos Natais como se ali fosse o nosso lugar raiz. Não sei se alguma vez foi, para mim, raiz. Já nem o pai. Terei também visto a morte nos olhos dele? Antes um adeus. E não quis acreditar. Não quis. E depois só me lembro das crianças, tão pequenas elas também, pelos cantos de outras casas. Tão pequenas que a menina que se encolhia dentro de mim precisou crescer. Esta casa traz-me sempre confusas memórias. E outras, claras e lúcidas. Demasiado nítidas.
Nesta casa aparecem-me assim estas confusas memórias e sou sempre pequena a um canto, fugindo das lágrimas da mãe que nunca ali conseguiu paz para viver. Só depois, só quando abandonámos a casa. E ela foi ficando assim desabitada, sozinha. Já nem o pai, já nem ele para nos ligar ao cheiro da casa, para nos levar lá nos Natais como se ali fosse o nosso lugar raiz. Não sei se alguma vez foi, para mim, raiz. Já nem o pai. Terei também visto a morte nos olhos dele? Antes um adeus. E não quis acreditar. Não quis. E depois só me lembro das crianças, tão pequenas elas também, pelos cantos de outras casas. Tão pequenas que a menina que se encolhia dentro de mim precisou crescer. Esta casa traz-me sempre confusas memórias. E outras, claras e lúcidas. Demasiado nítidas.
28 comentários:
Das memórias que nos habitam na sombra do tempo, na presença do vivido. Belíssimo texto!
Uma memória muito bem descrita. Como tu sabes. Muitos beijos.
mto obrigado pelo teu coment :) espero q tenas votado e com honestidade :)..mais uma vez obrigado. tudo d bom :)
As memórias mais nítidas são normalmente as mais trágicas.
Apesar de 'tristes', gostei do sussurrar destas lembranças.
Beijo
...A sua história, faz-me lembrar a da «minha casa» de que tenho grande saudade...só q a minha estás em ruínas...o que se torna mais doloroso...
Parabéns pela descrição
Arménia
Que belas e bem retratadas memórias...É sempre tão prazeroso ler-te Maria Laura
amiga, gosto de ler-te.
eu, mesmo quando as recordações não são as melhores, gosto de recordar.
um beijo
Antes uma casa vazia de memórias do que uma alma repleta de esquecimentos...
Que texto incrivel sabias!
Bjos daqui
Pierrot
Em cada dia que passa, mais odeio a memória.
Encerra ela, cada vez mais, os meus melhores momentos.
Momentos longos e serenos que torna curtos.
Não pelo esquecimento.
Mas por serem memórias…
Que queria que o não fossem!
:-)
Desculpa vir entrando assim, sem ao menos pedir... Mas nunca antes um titulo chamou tanto a minha atenção como "VIDA DE VIDRO"...
Fiquei aqui parada a olhar... li e reli...
Tão frágil que é a vida...
Os momentos...
As decisões que tomamos...
A vida só pode mesmo ser de vidro....
Desculpa a invasão...
Bjinhos
Que belo e nostálgico o teu texto. E como eu me revejo nele. Como sei da solidão de já não reencontrar os cheiros na velha casa. Como sei daquelo momento em que a menina em nós tem de se retirar ...
Um beijo
Há memórias que gostariamos de apagar...
Beijito.
A casa de memórias que nos habita. Muito bom!
belissimo post, lindo.
Gostei do teu blog. Parabens, gostei daqui.
Maurizio
belo. belo...
o regresso â matriz fecunda de tudo. são essas as "marcas" que perduram.indeléveis.
amorável texto.
beijos
Gostei das tuas memórias
a foto esta linda
beijos
Independentemente as memórias, o texto está divinal
hum. Sad.
Precisaste crescer e já crescida encolheste a menina que sabias em ti, pra não reviver tudo outra vez...quando as casas nos consomem o presente o melhor é partir e deixá-las no passado, enquanto não formos capazes de lidar com fantasmas. Acho que só a idade do saber nos traz isso de aguentarmos estoicamente o que perdemos, o que nos perdeu
Bj Alice
Muita beleza na tua interioridade....memórias...raízes e genealogias familiares...partilhei com prazer...
abraços
As almas das casas. Que nos habitam, lancinantes. E tantas vezes!
Que transparência a da tua lembrança.
Bjinho
Foi prazeroso ler este post. É como se, a cada pausa na leitura, me invadisses sentimentos e memórias fragmentadas, numa nostalgia que não consigo perceber mas que me faz sentir tão familiar.
É um óptimo post. Foi bom descobri-lo...
Stay well
E como são importantes as memórias, mesmo que nos deixem confusas...fazem parte de nós.
Eu fiquei momentos a ler e a reler o teu post, uma descrição em que me senti menina sentada num canto também...olhando com os teus olhos o que descrevias.
Jinhos muitos
Desculpa tive que apagar um dos comentários, pois repeti-o...coisas de amanhecer.
a casa: de areia, barro, madeira, ferro, lembranças, muitas lembranças...
a memória: de fragmentos, de lembranças inteiras e vívidas (como a se desenrolar no momento presente)...
um beijo fraterno, Amiga.
Um lugar raiz não desaparece jamais. Mais, ou menos nítido, é o nosso referencial para sempre. Quase todos os nossos valores, moldam-se de acordo este lugar.
Um beijo!
Fabuloso este teu texto.
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