quinta-feira, agosto 10, 2006

No país da guerra





O menino do país da guerra acordou com o estranho silêncio que pairava sobre a cidade. A mãe teria ido procurar algo que comer. Tinha que a esperar ali. Naqueles dias, sair das ruínas onde vivia era perigoso. Tudo era perigoso. Nunca mais tinha visto os seus amigos de brincadeiras. Perguntava à mãe por eles e ela só o olhava com os olhos muito abertos e secos. Não a via chorar há tanto tempo… E quase tinha saudades dos dias em que chorava por mais uma partida do pai ou porque tudo era difícil demais na vida que levavam. Agora, já nem se lembrava do rosto do pai.
Espreitou e não viu mais que escombros. Já não conseguia orientar-se na cidade. Todos os pontos de referência tinham desaparecido. Só ruínas e corpos que ninguém reclamava. Reparou naqueles objectos de metal espalhados. O pai tinha-lhe dito o que eram e como funcionavam.
Tinha fome, tinha muita fome. Não podia chamar, gritar, sabia que não devia atrair atenções. Chorava baixinho, com aquele aperto no coração que lhe acontecia sempre que não via a mãe. As lágrimas silenciosas correram quando começou a percorrer as ruas desertas, quando entrou no que restava das casas, quando, esquecido do perigo, gritou pela mãe. A voz encontrou eco nem ele sabia onde. Mas ninguém respondeu. Nem a mãe, nem os moribundos, nem os que costumavam procurar por toda a cidade um pedaço de pão. Nem os tanques, nem as bombas.
Sentou-se no chão e, em silêncio, chorou todas as lágrimas que tinha. E, de olhos e coração seco, esperou. Apanhou um dos objectos de metal e agarrou-o, na mão pequenina. Eles voltariam.





Foto by verboomz



[Não aprovo vinganças. Entendo desesperos e, sobretudo, anseio pela paz sem destruição da dignidade de ninguém.]

19 comentários:

José Leite disse...

Enternecedora mensagem sentida e cheia de encanto... pena é que fale desse pesadelo: a guerra!
Bom FDS! Parabéns pela escrita tão carregada de sentimento e tão humana na expressão mais nobre da palavra! Gostei muito!

Teresa Durães disse...

(não entendo vinganças)

entendo que se sinta o desespero e no desespero há actos que se efectuam para além da compreensam. actos bárbaros.

mas a guerra não é provocada por desespero mas calculismo.

e calculismo não é vingança. é vontade desse poder absurdo que não olha a meios.

infelizmente a guerra é tão banalizada que parece que não há mensagem que mexa connosco a não ser vivendo a própria guerra.

boa noite!

Diafragma disse...

De facto já ninguém percebe o que se passa. Vingança? Calculismo? Ódio puro? Seja o que for, o facto é que o que tu relatas ESTÁ a acontecer agora. Enquanto teclamos sossegadamente os nossos comentários neste teu espaço. E pouco (ou nada?) podemos fazer. Talvez apenas o que tu fazes. Lembrar, lembrar e lembrar.

Luna disse...

As guerras tornam as vidas em escombros humanos
beijos

CANTOROUCO disse...

agradecida pela visita - que me deu a conhecer este espaço pleno de sensibilidade.

[Nada sei de técnica fotográfica. Coloco lá, no meu canto, as fotos que afectivamente me significam, nada mais.]

Noite boa.

Melga do Porto disse...

Perante tantas "imbecilidades" do nosso mundo só consigo uma coisa - sentir-me culpado!
Afinal sou um ser deste "estupidificante" planeta. Resta-me acreditar no Universo.

Licínia Quitério disse...

Isso acontece aqui ao nosso lado. Gente que explode. Gente que é explodida. E gente que faz os cálculos da explosão. Por enquanto, dormimos...
Beijos.
Licínia

M. disse...

Gostei muito.
Que podemos fazer? Terrível!

M. disse...

Volto. Como serão os pesadelos destes meninos se alguns já nem têm mãe? Horrível!

... disse...

Espectacular!
Sim, a forma como descreveste tudo é fabuloso.
Provavelmente poderá estar a acontecer no Líbano, quem sabe.
E é por ler estar coisas que percebo que os nossos problemas por vezes não passam de mínima coisas.
BIG KISS

o alquimista disse...

Apenas o meu silêncio, faça-se luz "fiattlux"...na cabeça dos homens...

Doce beijo

Diana disse...

e quem mais sofre são sempre os inocentes..

JP disse...

Haverá ainda alguém, cuja amplitude angular do seu horizonte lhe permita abstrair-se do que os media lhe dizem e ver o que o mundo tem para alguns, outros que não estes civilizados membros do clã bloguista?
Por acaso antes do Líbano, não existia o Congo, a Nigéria, o Sudão, Angola, S. Paulo, o Bairro da Cova da Moura, a Pedreira dos Húngaros, a vizinha do lado que foi violada quando saía do prédio, a velhinha que partiu a bacia num roubo de esticão?
Esqueçam foi do Zapping.
Too much zapping will kill me, I know!!!

Carla disse...

As guerras não conduzem a nada a não ser a muitas mortes inuteis...

Que o sol seja o sorriso a dançar no teu rosto.
Bom fim de semana
Beijos

Teresa Durães disse...

Out of context?

Tempo para o amor?

Definição: Tempo; Amor;

:)

Depois podemos conversar

de resto, tenho tido paixões como todos

Minda disse...

É-me difícil comentar este texto. Apenas porque ele me deixou, tal a força das palavras, muito emocionada. A guerra e a vingança, são a arma dos cobardes! Um bom fim-de-semana, e até à próxima.

joshua disse...

Boa!

naturalissima disse...

Mas que história tão carregada de SENTIMENTOS.
A fotografia é CHOCANTE! Um momento de DESESPERO!!!
Vieram-me lágrimas...

as velas ardem ate ao fim disse...

Lindo!As lagrimas que me correm são sentidas..não há guerras santas..há guerras e há gente de carne e osso a sofrer.