segunda-feira, agosto 21, 2006

Guardador da luz cega





Naqueles dias, parecia aos seres da floresta que não havia luz no céu. Na verdade, aquele disco do céu que fazia as folhas brilhar e os aquecia, só tinha aparecido cinco minutos em cada dia. Era pouco e a angústia dos dias cinzentos começava a abater-se sobre os habitantes minúsculos do reino verde, aqueles que os homens não vêem quando os seus pés pisam pesadamente as folhas secas.
Reuniram-se os filósofos, os poetas e os cientistas. Os artistas assistiram, sem conseguir largar o que estavam a criar. De vez em quando, diziam de como a sua obra transmitia melancolia. Sem o disco dourado, tinham perdido a alegria que espalhavam em sons, em cores, em formas. Era preciso fazer alguma coisa. Se conseguissem guardar a luz daqueles cinco minutos…
Em plena reunião, um dos mais jovens entrou gritando que tinha encontrado um objecto estranho e muito grande. Parecia ter as cores do disco do céu. Talvez um dos que chegam de fora (chamavam assim aos homens para quem tudo ali era estranho) o tivesse deixado. Talvez o próprio disco do céu o tivesse enviado. Como podiam saber?
O objecto era belo e tinha uma cor quente semelhante à do disco dourado. Estava orientado para o local de onde a luz e o calor costumavam vir durante cinco minutos. Esperaram e, à hora habitual, os raios atravessaram aquela cor intensa e pareceu-lhes que toda a superfície do objecto brilhava e ficava mais quente. O mesmo aconteceu no dia seguinte e no outro e no outro…
Chamaram disco da terra àquela superfície que parecia ficar cada vez mais quente e cor de ouro alaranjada, como se toda a luz do disco do céu ali se concentrasse. Fizeram pequenos abrigos debaixo daquele disco quente. Nos cem dias em que o sol só brilhou cinco minutos a alegria não fugiu da floresta, enquanto as árvores e os arbustos bebiam toda a água necessária e se preparavam para o novo reinado do disco do céu.





Foto by naturalíssima (obrigada, Daniela, por criares imagens que são uma inspiração)

17 comentários:

naturalissima disse...

É uma honra para mim, teres "usado" a minha fotografia... Fico feliz por saber que o meu trabalho te serve como inspiração, mas... és tu que tens o dom da escrita e da imaginação criativa para fazeres um trabalho tão belo.

Já percebi que posso contar contigo e com o Miguel (Pain-Killer) para me contarem histórias e com elas fazerem parte das minhas fotografias!

Adorei! Mas está aqui acima de tudo a tua parte artistica... de teres criado um bonita história.

Um beijinho especial
Daniela

Teresa Durães disse...

Sim, da fotografia sair esta história foi fantástico!!

Bj

Manuel Veiga disse...

um disco carregado de afectos. muito belo...

JP disse...

Parabéns a duas divas do meu horizonte blogueiro.
Prescindo de qualquer direito sobre a sugestão no naturalíssima para que acrescentasse texto aos belos quadros fotográficos, esta hipótese já se concretizou.

Rendo-me à evidência e sigo as normas da casa...

beijinhos!

Nilson Barcelli disse...

Li o teu blog todo, pois ainda não é grande em tamanho.
Mas é grande no que escreves.
Tens uma capacidade enorme para o conto (só vi um poema, mas bom). E usas um tamanho "decente" para os blogs (contos de tamanho convencional ou normal poucos os lêm...).
Gostei imenso do que escreveste até aqui. E vou gostar de continuar a ler-te, pois só pode fazer melhor que o muito bom que fizeste até aqui. Imaginativos e inteligentes, é o que se me oferece dizer acerca dos teus textos.
Obrigado por me "descobrires".
Beijinhos.

Joker disse...

Na originalidade de uma foto coube a originalidade de um texto sublime!!!!!

A simbiose perfeita: Naturalissima Vida de Vidro !!!!!

Magias esvoaçantes de beijos!

Melga do Porto disse...

Diga-se em abono da verdade e para memória futura. Quem com uma simples foto, simpática por sinal, de uma sombrinha chinesa escreve o que escreve...merece todas as minhas vénias.
Ao ler ocorreu-me uma imagem, exactamente pelo inverso. Os corpos encaixados que nem puzzles debaixo da nesga de sombra dos guarda-sóis de praia, nas horas de “braseiro”. Pequenos eclipses do Sol que tornam a areia num manto de pintas pretas.
Bj’s

hfm disse...

Gostei desta história e das palavras com que a construiste.

Anónimo disse...

Visitei-te, fiquei cativado pela tua maneira de escrever, embora em prosa mas algo parecida com a minha, livre... voltarei**

Ash disse...

Obrigada pelo teu comentário. Tens textos muito bonitos por aqui.

Beijinhos

Diafragma disse...

Lindíssima história para uma lindíssima fotografia (que já conhecia da Naturalíssima).
Parabéns pelo trabalho de equipa!

Licínia Quitério disse...

Essses seres pequeninos de outros mundos que pisamos sempre viveram na imaginação. Tu enquadraste-os numa belíssima história, cheia de poesia e de ternura.
Linda a foto, claro.
Bjs.
Licínia

Unknown disse...

E sob a sombra duma imagem de cores e abrigo quente (naturalmente!)... a tua imaginação criadora!
Confesso-te que gostei muito!

daniel

Cris disse...

Foto&texto lindos!

bjo

C.

Carla disse...

Muito bonito este post :)
Parabéns às duas "criadoras".
Beijos

Jonas Prochownik disse...

Sempre tão bom ler os seus textos intrigantes e delicados !

Miguel Baganha disse...

Adorei vêr aqui o resultado da parceria de duas mulheres talentosas...

Simplesmente brilhante!!!
Ainda bem que não guardaram a luz toda... ainda deu pra ficar ofuscado.

Espero que repitam a dose...

Fica bem, Glasslife ;-)