domingo, agosto 13, 2006

Barco ancorado





Falo de uma rapariga. Igual a todas as outras, sem nada muito especial que a distinguisse. Muito jovem. Não tinha planos, não acalentava grandes ambições. Só queria que a vida não se enchesse de dias iguais, plenos de tédio. Talvez fosse o que mais temia: a rotina, a falta de surpresas, o contemplar de um futuro completamente previsível.
Fez tudo o que esperavam que fizesse. Estudou, empregou-se, casou, teve filhos. Começou a sentir que o leme da vida lhe fugia das mãos e que a rota já estava traçada. Enquanto os filhos precisaram dela, encontrou um motivo para nada fazer que pudesse desviar o curso do destino.
Um dia sentiu-se verdadeiramente barco ancorado num porto. Um pequeno porto aconchegante, agradável mas de onde se via o mesmo horizonte, todos os dias. Tudo o que temia se tinha concretizado. E ela queria partir, por mais que lhe falassem dos perigos da viagem e de como era invejável o seu porto de abrigo.
Embarcou em algumas viagens mas voltou sempre ao porto que, em cada regresso, lhe parecia ter marés mais agitadas. E aconchego nenhum. Hoje, ela continua a ser um barco ancorado, mas num porto agreste. De vez em quando parte em busca de uma baía que, por uns tempos, sonha ser o seu porto de abrigo.





Foto by Luther Bash

19 comentários:

M. disse...

Bela a fotografia. Belo o texto pela sua simplicidade tão verdadeira.

(Não queres participar num jogo que estamos a fazer em www.outrostemas.blogspot.com ? Regras no post de 25 de Julho.)

Sentires Cruzados disse...

Ao ler-te pensei que escrevias sobre mim.
Com algumas diferenças, claro.
Só que este barco partiu do cais que de acolhedor, tornou-se agreste... em busca de novos rumos, novos pulsares. Em busca de si mesma.
Um beijo da alma*

Teresa Durães disse...

Para além da excelente fotografia, parece que existem algumas raparigas assim....

Tipo eu. Um belo texto sem dúvida, com as mesmas questões que coloquei mas aqui não estão expressos os pontos de interrogação. Não é verdade?

As respostas nós teremos de obter, ninguém nos dá.

Boa tarde para ti!

M. disse...

Fico contente com a tua decisão de participares no jogo. :-) Todos somos amadores, por isso não te sintas mal com isso. Ainda tens dois dias até 15 de Agosto...

naturalissima disse...

Olá,
Mas que bela história. Gostei pela simplicidade, pela sua carga de metafórica sobre a vida de uma mulher. A fotografia é espantosa e acompanha na perfeição esse "drama"!!!
Obrigada também pelo pqueno poema que deixaste no meu blog. É belo.

Um beijinho e bom fim de semana
Daniela

Cris disse...

Todos nós saimos do nosso porto em busca de algo, temos alma de Conquistadores, há seculos atrás erámos donos de metade do mundo, e hoje somos donos de nada.

Também tenho o meu barco ancorado, infelizmente o mar transformou-se em lagoa, e a água... está estagnada, morta, parada. Há que buscar coragem para remar!

Gostei do teu texto, e a fotografia é linda!

as velas ardem ate ao fim disse...

Sabes adorei o teu texto porque talvez seja o contrario dessa rapariga, nunca fiz o que esperavam de mim.a unica coisa comum foi ter estudado na faculdade mas por que eu queria.
Tenho um porto de abrigo que construi depois de mto passar. Hoje estou ancorada mas livre e sempre pronta para partir as amarras que so me ligam a mim propria.dsc este desabafo longo.
1 bjo

Miguel Baganha disse...

estou de passagem, mas resolvi ancorar aqui por breves instantes...acho que não foi nenhuma insensatez, pois não Glasslife?

" Insensatez "... um tema da autoria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, mas interpretado de forma admirável pelo fantástico Rosenberg trio.

Eu gostei ;-)

Espero que o teu barco consiga chegar a bom porto o mais rápido possível, Glasslife.

Vou zarpar de novo...mas eu volto!

Uma sugestão musical, como sempre:
- Baden Powell

Bjinhos do marinheiro, até breve!

Minda disse...

Navegar à deriva, sem amarras, no imenso oceano dos sonhos é o que me apetece bastas vezes ao acordar e pelos rios da vida (que os mares me assustam)levar o meu barquito até pequenas enseadas onde ele fique abrigado das muitas tempestades que decerto encontraria no caminho... Belo texto e fotografia a condizer, na perfeição. Parabéns! E vejo que temos mais uma aderente ao jogo do FotoDicionário, uma excelente iniciativa de partilha em que vou participar pela 1.ª vez, também. Por isso, lá nos encontraremos no FotoEscrita. Um bom início de semana e até à próxima visita.

Jonas Prochownik disse...

Que texto sensível e forte, ilustrado perfeitamente por essa fotografia maravilhosa !

Su disse...

obgda pela visita ao xanax~

adorei ler.te.amei a foto

nada fiz do que esperavam... mas tenho tudo a ver com o aqui descrito...o medo da rotina, de dias iguais...do barco ancorado..o porto seguro...a partida/ o retorno....o sonho continua.....

jocas maradas

jocas maradas

Joker disse...

Combinação poderosa entre as palavras e a imagem...
Gostava de salientar as entrelinhas que fui lendo ao longo de todo o texto...
Lindo...

Adorei...

Melga do Porto disse...

Até nisso gostamos de nos enganar. As marés sempre ocorreram, mas faziamos de conta que só isso eram. Mas quando sentimos que a àgua se tinha tornado gelada, aí acabou o faz de conta. Sem dúvida "marés vivas"...

Ana P. disse...

É por isso que sou aquilo que sou, não sei se faço o que esperam de mim, porque realmente tou-me nas tintas para isso. Faço apenas aquilo que sinto vontade, e tento viver uma vida livre, sem estar presa a nada...

O texto tá fabuloso e a foto também.

Muitos beijinhos

Aragana disse...

Olá..
... é um belíssimo texto.

Vim agradecer a visita!

Bjinhs

... disse...

Foto soberba!
Ainda mais quando está tão bem adequada com o texto.

Penso que todos passamos por uma fese dessas.
A incerteza, a insegurança, o desconforto, enfim, provavelmente está presente no nosso ser.
A eterna procura de novos desafios.
Afinal foi assim que a raça humana foi sempre evoluindo.
Forte beijo.

o alquimista disse...

Nesta ilha que há em ti e que em sonhos se transforma, procura dentro de ti no cais de espera feito de negro basalto encontrarás o arco-íris.

Doce beijo

Carla disse...

A cada partida sonho com o regresso
Com o aconchego do meu cais...

Parti...
Sou barco à deriva
Navego ao sabor do vento
Sem rumo... perdida
Sujeita às tempestades
Às intempéries da vida
Regresso...
Ao meu porto de abrigo
Meu cais... meu confidente...
Meu amor, meu amigo...
Sinto-me forte...confiante

A cada partida sonho com o regresso
Dos seus braços não partir jamais...

Parti...
Em suave navegar
Do meu porto de abrigo
Até de novo atracar
Sou barco à deriva
Sem o rumo encontrar
Regresso
Ao meu porto de abrigo
Meu cais... meu confidente...
Meu amor, meu amigo...
Sinto-me forte...confiante

A cada partida na aurora do dia
Sonho com o regresso ao entardecer
Ao cais que me dá alento na vida
Aos braços que não quero perder...


Por≈©≈Ňąd¡®≈©≈2005

Beijos e bom feriado

Ant disse...

"... e voltar sem deixar cair o sol..."
Ainda bem que não há eterno retorno. Há sempre um novo recomeçar.