terça-feira, julho 25, 2006

Mundos estanques






Há mundos que não se tocam. Não se podem tocar, porque existe algo que os torna letais um para o outro.
O homem vivia nos dois mundos. Na verdade, ele era a charneira única entre eles. E assim se manteria pela eternidade possível, se conseguisse respeitar os habitantes daqueles mundos e a sua curiosidade não se sobrepusesse ao perigo.
Diz quem me contou esta história que ele não foi cuidadoso. Digo eu que, de tanto ouvir falar disto, tenho a sensação de o conhecer, que não resistiu à tentação de, de alguma forma, misturar os dois mundos. Abriu uma janela de comunicação, suficientemente segura, pensava ele. Sabemos todos que não há janelas seguras, nem com todas as grades e sistemas de alarme possíveis. De uma forma insidiosa, os habitantes de um lado e doutro espreitaram-se, admiraram-se e ressentiram-se ao perceber que o homem não pertencia inteiramente a nenhum deles. E aquele veneno que era a razão pela qual os mundos não se podiam tocar, começou a espalhar-se. Lentamente, foi afectando os habitantes do mundo que tinha menos defesas. O outro seguir-se-ia. Para se salvarem, procuraram refúgio. Do mundo de lá e do homem. Espantado, magoado talvez, o homem recolheu-se no mundo que sobreviveu. Não conta a história se destruiu a janela. Nem se o coração do homem se quebrou de desgosto. Sabe-se, no entanto, que um dos mundos ficou deserto para sempre ( sempre, é até onde conseguimos saber…).





Foto by Ruip

11 comentários:

Teresa Durães disse...

Há quem diga que a separação dos mundos foi no início de todos os tempos ;)

No tempo dos Mitos!

(ainda por aqui, reabrindo o Voando por Aí, o blog inicial. Até quando? Até.)

Teresa Durães disse...

(muito depressivo até ao momento... dias...)

naoseiquenome usar disse...

Será que este texto nos reporta às escolhas? Será que para caminhar num determiinado sentido, temos de abandonar definitivamente o outro?
Será que nos reporta à actualidade (que dura e dura) das guerras, nomeadamente a do Líbano?
Será afinal que o "veneno" não provém senão de demasiadas semelhanças entre gentes, países, mundos???

Beijo.

Diafragma disse...

Mais um texto sensacional. Talvez o meu favorito mesmo, por tudo o que encerra.
«... sabemos todos que não há janelas seguras...». Uma delícia!
E a imagem, mais uma vez, é fabulosa.
Parabéns.

Ant disse...

Olha para não dizer só olá que lindo e como estou sem palavras fica o silêncio da meditação. Obrigado.

Velutha disse...

bonito texto. li-o e reli-o. pensei. há dois mundos. temos de saber escolher aquele em que queremos viver. o poblema está em saber se será a escolha certa.
beijos

Miguel Baganha disse...

Adorável este momento...
Talvez um dia esse mundo deserto se venha a revelar cheio...de humanidade.

...e que bom que foi ouvir este tema de M.Camilo&Tomatito...

" El dia que me quieras "
Muito bem adaptado ao texto...

Vejo que temos gostos musicais muito em comum...tens bom gosto!

Um bom dia pra ti ;-)

Teresa Durães disse...

Nunca se sabe qual é a escolha certa, a propósito de um comentário. As escolhas dependem de um determinado momento. Certo é numa ocasião, errado noutra. Não há verdades universais. Claro que isto é a minha forma de pensar.

Eu li como a divisão de platão, nos dois mundos. Se a minha leitura foi a tua escrita, também poderia acrescentar que é possível tocar no outro mundo. Lá de vez em quando. Um bom dia

greentea disse...

não há apenas dois há vários muitos mundos em um só mundo...

Pessoa conhecia vários deles...

Dafne disse...

Olá
Concordo com a Greentea. FP conhecia tão bem esses dois mundos, porque vivia em divórcio constante com a nossa realidade.
Beijinhos
Dafne

Vida disse...

Escolher em qual deles viver é a questão, eu escolhi este e não estou arrependida porque enquanto achar que tudo o que nos é proporcionado é lindo, maravilhoso, é porque valeu a pena.
Gostei do teu blog, tens textos lindissimos.

Beijos com carinho.