domingo, julho 23, 2006

A rapariga dos balões






Na terra, todos conheciam a rapariga dos balões. Ninguém sabia, no entanto, dizer de onde tinha vindo, quem eram os pais, o que fazia ali. Ninguém lhe conhecia um nome. Nem ela própria. Vivia numa velha casa abandonada, subsistia do que lhe davam e não tinha amigos ou família. Andava sempre agarrada àquele molho de balões multicolor. Na casa escura e suja, só os balões criavam a magia dum sorriso, em quem entrava.
As crianças da terra corriam atrás dela, pedindo um balão que ela negava, como se fosse a sua única riqueza, talvez o único sonho realizado. Já lhos tinham roubado mas, sem que alguém conseguisse explicar, num instante aquela nuvem de cor soltou-se das mãos que o agarravam e voou, ficando a pairar junto à porta da velha casa. Pertenciam-lhe, dizia o povo. Ninguém mais questionou essa verdade, mas todos se interrogavam o que significava.
À medida que crescia, os rapazes da terra começaram a rondar-lhe a porta, tentando decifrar todo o mistério que ela carregava consigo, como se uma noite de sexo lhes desvendasse aquilo que ninguém tinha entendido até aí. Corria-os à pedrada, como um animal acossado. Não era esse o sonho que carregavam os balões. E, sabe-se lá porquê, ganhou fama de louca, insultada sempre que palmilhava as ruas íngremes e se esgueirava pelos becos escuros.
Desapareceu, numa noite de chuva em que todos se agasalhavam em casa. Sem rasto. Na porta de cada menino, ficou pendurado um balão e, na velha casa, um bilhete escrito em papel amarrotado:

- Não há lugar para mim na terra que escolhi. Volto para onde os balões não são necessários.





Foto by anIa bystrowska

12 comentários:

Teresa Durães disse...

O que se desconhece sempre foi motivo de curiosidade. E se a curiosidade não for satisfeiça, repulsa.

Assim são gerados os loucos na nossa sociedade. Os diferentes. Depois passam a esquecidos.

M. disse...

Tão bonito!

Miguel Baganha disse...

Misteriosa, sensual...enigmática...como um tango.Adorei a história!
Tambem eu tenho um balão, só que incolor...espero que um dia a côr se desvende, como que por magia.

Foi bom ouvir Gotan Project, há muito tempo que não ouvia...
A.Piazzola, G. Project...tens bom gosto!

Bons tangos!

Desejo uma boa semana ;-)

Diafragma disse...

Que conto lindíssimo!
E mais uma vez, que fotografia linda para o acompanhar. Ou teria sido ao contrário....?

vida de vidro disse...

>>ave:

Desculpa perguntar-te isto aqui mas não tenho o teu mail. Acabou o teu blog? Tenho pena sinceramente, só agora começava a "conhecer-te".
Espero que voltes. Um beijo.

Manuel Veiga disse...

os balões por aí andam, esvoaçantes, no interior do teu texto. belíssimo...

Miudaaa disse...

Adorei, Adorei o teu Blog!!!
(envia-me a musica de fundo senão t'importares,,, amei)
Vou voltar mais e mais vezes!!!
beijooo de bom final de 2ª feira

naoseiquenome usar disse...

Ou como os ditos "não loucos" precisam de balões para sorrir....

Ant disse...

Que textos... e bem ilustrados.
Gostei mesmo muito. E sim, deve ser o verão que traz as memórias gratas.

£ou¢o Ðe £Î§ßoa disse...

ADOREI a menina dos balões...

"E, sabe-se lá porquê, ganhou fama de louca"
A diferença encanta-me, mas a muitas pessoas intimida!

Kiss pour toi, até outro instante!

Teresa Durães disse...

Vida de vidro: Sou a Ave. Este é o meu nome. Vou de férias. Férias de mente, férias físicas. Estou muito cansada. Esgotada até.

Se voltar passo aqui. Não planeio a tanto tempo. Obrigada pelas palavras.

joao de miranda m. disse...

Um dos melhores textos que já li na blogosfera. Parabéns.