quinta-feira, junho 21, 2012

O vestido vermelho





Agora consegue lembrar-se. Era um vestido vermelho. Não uma simples saia. Se a memória era fiel, era até mais que um vestido. Uma bandeira. Uma afirmação. Envolvia-lhe o corpo e gritava a sua alma ao vento daquele tempo. Havia quem não compreendesse. “Rapariga, não tens outro vestido? Lavas esse e voltas a vesti-lo. Que coisa… “ . E o riso dela era uma cascata vermelha, vermelha. Mais tarde usaria  azuis escuros, castanhos, cinzentos, até xadrez sóbrio. Mais tarde… Tinha tempo para as cores certinhas. As que lhe esconderiam os impulsos tão vermelhos de corpo e alma. Mas naquele tempo, o sol era uma fogueira e as horas dançavam estranhas danças. Tudo era um desafio. Dançava, dançava. Desbravava caminhos e ria, como ria… naquele tempo. Hoje tem infinitas saudades do vestido (ou seria saia?) vermelho. Ou de quem o vestia como bandeira. Sente-a estranha, outra pessoa ainda sem o molde que a vida lhe faria. Ainda seria capaz de vestir aquele vermelho? Já não existe, tinha-se desfeito da roupa numa voragem qualquer de um tempo em que deixara de ter significado. Mas, se existisse? Fechou os olhos e a saia (o vestido?) esvoaçou dentro dela. E o riso, primeiro tímido, depois afirmativo mesmo sem as cascatas de outrora, ecoou na sala. Dançou rodopiando a saia de outrora. Algures, lá bem escondido no fundo de si, o vermelho ainda era um desafio.