Agora consegue lembrar-se. Era
um vestido vermelho. Não uma simples saia. Se a memória era fiel, era até mais que um vestido. Uma
bandeira. Uma afirmação. Envolvia-lhe o corpo e gritava a sua
alma ao vento daquele tempo. Havia quem não compreendesse. “Rapariga, não tens outro vestido? Lavas esse e voltas a vesti-lo. Que coisa… “ . E o riso dela era
uma cascata vermelha, vermelha. Mais tarde usaria azuis escuros,
castanhos, cinzentos, até xadrez sóbrio. Mais tarde… Tinha tempo para as
cores certinhas. As que lhe esconderiam os impulsos tão vermelhos de corpo e
alma. Mas naquele tempo, o sol era uma fogueira e as horas dançavam estranhas
danças. Tudo era um desafio. Dançava, dançava. Desbravava caminhos e ria, como
ria… naquele tempo. Hoje tem infinitas saudades do vestido (ou seria saia?) vermelho. Ou de quem o
vestia como bandeira. Sente-a estranha, outra pessoa ainda sem o molde que a
vida lhe faria. Ainda seria capaz de vestir aquele vermelho? Já não
existe, tinha-se desfeito da roupa numa voragem qualquer de um tempo em que deixara
de ter significado. Mas, se existisse? Fechou os olhos e a saia (o vestido?) esvoaçou dentro
dela. E o riso, primeiro tímido, depois afirmativo mesmo sem as cascatas de
outrora, ecoou na sala. Dançou rodopiando a saia de outrora. Algures, lá bem
escondido no fundo de si, o vermelho ainda era um desafio.