Filomena ouvia o som daquele dia.
Extravagante, talvez, aquela mania de ouvir cada dia de forma diferente. Não
exactamente música, por vezes só ruído, murmúrio ou grito estridente. Aquele
era um dia de sussurros que saíam dos cantos das paredes. Entravam nela como
portadores de paz, misturados com suaves raios de sol. Deu-se a esse conforto
sem reservas e deixou fugir os ruídos traumatizantes de dias anteriores. Lá
viria o tempo em
que voltariam. Filomena já tinha vivido dias suficientes para
saber que nem o conforto interior nem a angústia duram sempre. Os sons dos seus
dias poderiam ser já uma sinfonia que ainda não conseguira compor. Faltava-lhe
a transição harmónica necessária para transformar ruídos desconexos em música fluente. Sobretudo ,
subsistiria sempre nela a dúvida de conseguir sentir a vida dessa forma. Que
importava isso, afinal? Aquele era um dia de reconfortante suavidade. Por
agora, era suficiente.