
No limite seco do caule
A folha virada para o céu
Nem uma sombra projecta
Pés descalços. Pedia-lhe a areia, suplicava-lhe a espuma das ondas. Mas a mente não obedecia. Algo lhe dizia que não eram os pés, não era o corpo que devia desnudar. Precisava despir-se de muito mais para absorver toda aquela luz. Precisava tirar de si tudo o que pudesse tapar a transparência do azul. Docemente, como quem se entrega a um amante, despiu a alma e lançou-a na imensidão de água. Sem um traço de lama, sem um véu de tristeza. Nua.
E assim se juntam os dias na corrente do tempo. Por vezes dizemos: “Já aqui estive. Já aqui fui eu, sem mim. Já aqui me perdi". São esses os dias brancos, a que não pomos nome porque não os queremos recordar. Mas encontram o seu caminho nos meandros da memória. E conseguem acordar a lembrança de outros dias, a colorir os dias brancos. Somos assim, balançamos entre o que chamamos cor e o que a reflecte ou a absorve. Branco e negro. Luz e trevas. Salpicados da cor de muitos dias.
O JPD desafiou-me a continuar mais esta cadeia da blogoesfera. Assim...
*Um "meme", termo cunhado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller controverso The selfish gene, é, para a memória, o análogo do gene na genética, a sua unidade mínima. É considerado como uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros) e outros locais de armazenamento ou cérebros. No que respeita à sua funcionalidade, o "meme" é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os "memes" podem ser ideias ou partes de idéias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autónoma.
Fonte: Wikipédia
Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
O céu, lá em cima. A árvore, de ramos frágeis, enfeitou-se de folhas jovens e tentou subir. O céu, azul, inatingível. Ergueu os braços ramos até ao limite. Nem conseguiu tocar o tecto azul polvilhado de algodão. Mas o que tinha sido construído, ali mesmo ao lado, parecia-lhe sólido e enorme. Atingindo com segurança aquele céu desejado. A árvore invejou aquele bloco que lhe dava vertigem olhar. E conformou-se com a sua incapacidade. Nunca entenderia que, na base do seu desgosto, estava apenas um erro de perspectiva.
Pensava na vida, enquanto ia olhando as publicações que os bouquinistes expunham. Gostava do passeio mas perguntava-se o que levava aquela multidão de países vários às margens do Sena. Tudo aquilo lhe era familiar desde criança. Falhava-lhe o entendimento da magia que os estrangeiros encontravam naquele estendal de livros antigos, posters, postais. De câmaras em punho, fotografavam, filmavam… Encolheu os ombros. Mais valia ignorar aquele burburinho.
Voltara a Paris. E pensava na vida, claro. Na mulher e no filho que tinham ficado na terra onde trabalhara. Na inesperada “deslocação” da empresa que o deixara sem grande margem para os sustentar. Parece que era uma tendência em toda a Europa. Que lhe interessava isso? Nunca ligara muito à política, menos ainda às tendências da economia.
Voltara a Paris. Tinha um quarto nos subúrbios e todos os dias vinha procurar uma oportunidade de trabalho. Nada tinha aparecido e começava a desesperar. Olhava os que dormiam na rua, nas estações de comboios. E tinha um arrepio. Para arejar a cabeça, dava longos passeios nas margens do Sena. Olhava toda aquela gente, animada, feliz. Porque viriam até ali? Nunca tinha tido a ambição de viajar. A mulher, sim, queria ir de férias para outras paragens. Agora, ia ser complicado.
Voltara a Paris. Estava tão absorvido nos seus pensamentos que nem ouviu o barulho do disparo da câmara. Mas ainda viu que mais uma turista estava a fotografar e parecia apontar na sua direcção. Afastou-se, farto de tudo aquilo. Era só o que faltava, ficar nas fotos de uma fulana qualquer. Vida do diabo!