segunda-feira, setembro 27, 2010

Terra, poiso, ninho

Lembrava-se por vezes do pássaro multicolor e, quanto a essa época da sua vida, muitas eram as interrogações. Não sabia já razões de chegada ou partida. O facto é que voara sobre ela e lhe deixara farrapos de cor e marcas indeléveis. Desse tempo, as memórias começavam a desvanecer-se mas o eco que restava do canto da ave levava-a aos dias em que lhe era poiso, ninho de repouso. Via-o voltar ao voo sem ressentimentos. Talvez as cores precisassem de se espalhar para terem o brilho original. Até que foi a era da partida, sem volta anunciada. Assim como chegara, voou para longe. Deixando-lhe todas as interrogações.
Todos os sentidos lhe diziam que, num tempo que já não sabia precisar, os seus olhos só viram cinza. Como se quisesse reter a sombra das asas do pássaro. Mas, como tudo o que tem que acontecer, outras cores foram reaparecendo. A vida coloriu-se em tons de melancolia longínqua com ligeiras aparições de outros brilhos. Só a música não voltou. Escutava, de olhos cerrados, os ecos distantes. Reconhecia-o, por vezes. Afastava o desejo de ser terra, poiso, ninho. Seguia o trilho contrário, aquele onde os penhascos não reflectiam cores e sons e não existiam pássaros multicolores.