Lembrava-se daquela manhã marcada na lonjura da infância. Desejava afastar a recordação mas sabia que voltaria, recorrente como a sensação de vulnerabilidade que lhe deixava.
Ainda sentia o pisar suave da tapeçaria da sala dos avós. Parecia abafar a vida, afastar a possibilidade de um grito. Um grito, sequer. Sentia a morte rondar por ali. Não era a morte a ausência da vida? Tão criança era, e já lhe sentia o arrepio. Mas naquela manhã era pior. Quis correr para o quarto do avô. Homem rude, nunca lhe tinha demonstrado grande afecto, mas nem por isso deixava de ser o seu melhor conselheiro. Uma espécie de exponente da sua formação, alguém que lhe abria as portas do mundo dos adultos, confuso e traumático. Ou talvez apenas causador de pena. Dava-lhe segurança avistar a silhueta já curvada, em contra-luz na janela do quarto.
Não era assim naquela manhã de orvalho gelado. Um nó na garganta não o deixava respirar, como se ali fosse ficar em permanente obstrução. Entendeu, sem que ninguém lhe dissesse, que o vulto do avô seria, daí em diante, apenas uma lembrança. E o seu choro silencioso ecoou como o grito que nunca lhe tinham permitido dar, naquela sala.
[Este foi o meu texto para o 3º Jogo das 12 Palavras. As palavras escolhidas foram: afastar, conselheiro, criança, exponente, manhã, morte, obstrução, orvalho, pena, silhueta, tapeçaria, vulnerabilidade. Bom fim de semana para todos e dêem uns minutos de atenção ao que está anunciado ali na barra lateral, fruto do sonho do grupo que tem dado vida a este desafio... ]
27 comentários:
Um texto lindíssimo!!!!
Profundamente belo e real, a sensação de ausência no ritmo envolvente da palavra tua.
Acho que já vi "esta casa" ou este corredor ou esta janela, em qualquer lado...
Bjinho
Belíssimo! Já o tinha apreciado no conjunto dos outros todos mas continuo a dizer que em separado os textos têm outra dimensão e relevância.
Ah e esqueci-me de dizer que a fotografia é outra beleza.
Vida de Vidro
Provavelmente não recordes de mim, a ausência tomou conta do meu espaço no Fotodicionário e dei de mim um lugar enriquecido marcado por experiências realistas e profundamente belo.
Sensações de criança, como se voltasse atrás do tempo e partir à descoberta dos sons.
Este texto está um espectáculo, dotado de mestria onde a escrita flui, um rio contínuo sem fim á vista.
Beijo a ti,
Sun Melody (Memorex)
O fim da idade da inocência...
A infancia con tódolos valores que nos aporta non debe desaparecer, @s nen@s que levamos dentro sempre conosco...
Beijinhossssss
;)
A infancia con tódolos valores que nos aporta non debe desaparecer, @s nen@s que levamos dentro sempre conosco...
Beijinhossssss
;)
Já o lera, porém aqui tem outro contorno. Belo.
Bj.
gostei muito do texto. excelente. muito bem construido.
beijo
Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.
consegui endereçar reserva deste 22 olhares sobre 12 palavras.
E há textos que nos entram "dramaticamente" sentidos adentro. Este foi um deles. Temos que gritar nestes espaços que nos calam e quando tal não contece, acabará por acontecer, ainda que num texto literário. Tb o meu avô era essa referência pra mim.
Bela volta ao texto... ;)
Belo o texto. Belo e triste ...
Beijito.
gostei do teu desenho verbal!!
:-)
Pode ser um "jogo" mas as tuas palavras tornaram-no num belo texto donde não está ausente a poésis.
Maravilha!!!!!Apaixonei-me copmpletamente pelo teu texto!!!
Jhs mil
Dozes vezes belo.
Já tinha lido lá no outro lado...
mas aqui, talvez pela foto ou por estar isolado dos outros, soou ainda melhor!
Beijinho
Tão bem fiadas
.
.
.
palavras de vida
.
.
bjo de cristal
Excelente texto, muito criativo.
Gostei.
Beijinhos.
Ola Vida de Vidro
Passei para deixar uma saudação.
Bjs
Pungente e belo, o teu texto.A foto,a sublinhar o ambiente.
Também gostei muito do teu texto do 5º jogo, cheio de humor doce:))
Abraço!
Apenas para dizer que não te sabia de volta...fico contente que estejas por aqui de novo.
um abraço
brisa de palavras
Aqui nasceu o Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...
Olá,
Venho fazer uma visita :)
Beijito.
Majestosa e altivamente submissa
Uma árvore curva-se à lagoa
Encontrei um arco-íris perdido na terra
Este canto não pára até que a alma doa
Convido-te a olhar os sentires que emanam do altar do Sol
Bom fim de semana
Mágico beijo
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