domingo, março 06, 2011

Domingo sem sinos

by mar de sonhos


Naquele domingo acordou com a memória dos sinos das manhãs antigas. Já não tocavam, escondidos algures entre camadas de vida vivida que se acumulavam. Sabia que isso não era sinal de que os sons, os cheiros, as cores, que faziam dos dias de outrora hinos à alegria de viver, já não existiam. Já não os sentia e o que se deixa de sentir raramente volta. Olhou a janela aberta para o mundo lá fora. O renascer da terra já estava no início. Era um pulsar de vida que entrava pela janela. Sem sinos, sem aromas inebriantes. Apenas a afirmação de que tudo se renovava, tudo se modificava, mas valia a pena ser experimentado. A certeza de que a vida era aquilo mesmo, um dia de cada vez, ainda que as manhãs não se enchessem do repicar dos sinos, nem as noites fossem cenários de fogo de artifício. Respirou o ar já meio doce, anúncio do aproximar da primavera. Uma dor subtil insinuou-se, lá muito no fundo dos pensamentos que se distendiam. Embalou-a naquela reflexão lúcida que se apoderava de si e soube que estava próximo o dia de renunciar. Talvez não fosse no dia nem no mês seguinte. Um dia de cada vez... Quando chegasse a hora, teria a mesma certeza que tinha agora, do eterno silêncio dos sinos.