by donnie mackay
é verão ou talvez natal. as memórias que tenho de ti são tantas que se confundem. és o menino de caracóis cor de noite ou a homem que quer entender o que há de novo no mundo. tanto te vejo no mar da minha ilha de sonho como na casa dos encontros, das refeições em conjunto e dos jogos de cartas. num segundo és o menino que abre as prendas de natal logo te tornas no revoltado com todas as injustiças. a maior foi a que a vida reservou para ti e te ofereceu sem que nenhum de nós quisesse vê-la chegar. os teus caracóis desvaneceram-se em nada e ainda os sinto na carícia da mão naquela cama de hospital. tiveste frio e tentei abrigar-te mas havia demasiados tubos, demasiada tecnologia a tentar puxar-te para o lado de cá. parte de ti já se preparava para a partida. não houve forças nem afectos nem lembranças dos dias de sol da infância que te prendessem. depois de tudo, é irónico que a terra continue a girar e nós com ela. estarás por aqui, porque continuo a ouvir a tua voz e a ver o teu rosto ao meu lado na cadeira agora vazia. para lá do desgosto, para lá da dor física da ausência, preciso acreditar que fazes parte desse movimento cósmico. para que a morte faça algum sentido na fluir da vida.
[Para o Pedro que partiu muito cedo e nos deixou sem consolo, neste girar do mundo ]