
Ali estava, frente à entrada. Procurava na memória o tempo em que vivia na casa do jardim. Davam-lhe o nome as flores e a hera que entrevia sempre que a mãe lhe abria a janela do quarto. Para deixar entrar o sol, dizia, mesmo quando lá fora a manhã era cinza. A mãe tinha olhos verdes. Lembrava-se desses olhos de esperança da sua infância. Quando pensava nisso, parecia-lhe que a cor dos olhos dela mudara, à medida que a vida passava. A última lembrança trazia-lhe a cor cinzenta, baça. Depois, era a ausência. O silêncio. Ninguém lhe disse o que tinha acontecido. Ninguém mais lhe abriu a janela do quarto na casa do jardim. Pouco a pouco, lembrava-se de perceber o abandono que em tudo se reflectia. Ainda conseguia entrever os sinais da negligência e a tristeza que das pessoas passava para as paredes da casa. Até que todos a abandonaram de vez. Todos partiram. Ela seguiu a vida possível e foi esquecendo os dias felizes embalados pelos olhos verdes de esperança. Durante muitos anos, não quis passar pela casa do jardim. Muitos anos, os de ser mulher, os de criar filhos, os de envelhecer. Os de se sentir só, plena de lembranças. Agora olhava a ruína em que a casa se tinha tornado. Enfrentava-a, finalmente. Com a ternura de quem sabe que uma casa não é só paredes e conforto. É o amor dentro dela. O amor que faltara para manter o verde dos olhos da mãe.
[No PPP , o tema da semana passada foi "Ruína" e esta foi a minha foto. Depois deu-me para escrever à volta dela... Um bom fim de semana para todos! ]