terça-feira, fevereiro 27, 2007

Se não disser nada...




Se disser amor, uns pensam ternura, outros paixão, outros desejo. Eu só disse amor.
Se disser saudade, uns pensam tristeza, outros nostalgia, outros doçura. Eu só disse saudade.
Se disser mar, uns pensam espuma, outros ondas, outros tempestade. Eu só disse mar.
Se disser sol, uns pensam calor, outros brilho, outros fogo. Eu só disse sol.
Se disser luta, uns pensam revolta, outros pancada, outros armas. Eu só disse luta.

Se não disser nada, será que todos pensam o mesmo? O vazio?




Foto by Graça Loureiro

sábado, fevereiro 24, 2007

Triangulando




Triangulando
porque a vida não é recta
e em cada trilha secreta
existe um ângulo
uma dobra no destino
um (de)grau, um desatino.
Faço o triângulo
de vértices suavizados
por entre traços cruzados
procuro os caminhos certos.
Subo as linhas dos catetos
e quando algo me acusa
deslizo pela hipotenusa
sem grande pressa
que no esperar está o jeito
de pôr a vida às avessas
num só triângulo perfeito.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

No início, o beijo




Não há horas para a viagem. Nem existe destino conhecido. Partir não é partir. É ficar, em ti. E, nos caminhos percorridos, descubro surpresas, recantos que exigem paragens, locais que desconheço, conhecendo.
É em ti que viajo, faço do teu corpo um mapa que atravesso e me atravessa até atingir um horizonte de luz. Eu digo: viajo. Mas em mim estás tu, e nesta rota não consigo distinguir-nos. Separar-nos. Por isso, viajamos. No início, o beijo. E sempre.




Foto by Marcin Plonka

domingo, fevereiro 18, 2007

Peso




Não sei se caminhava ou se arrastava os pés como se todo o corpo fosse apenas um peso inútil. Passo a passo, numa lentidão que lhe tornava os dias intermináveis. As lembranças eram longínquas e esbatidas. Via-se apenas adolescente, já olhando as raparigas que saíam da Igreja. Ou talvez menino, correndo naquela calçada, fugindo da mãe. Sentia que a sua caminhada já não era para o futuro. Toda a sua vivência se dirigia agora ao passado. De alguma forma que nunca esperara, caminhava, lentamente, em direcção à infância, cada vez mais perto. Na sua impaciência, ansiava por se aninhar finalmente no doce calor do ventre da mãe.




(Esta semana, no Palavra puxa palavra, o tema foi "Peso")

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

A manta de quadrados




Sabes,
aquela manta de quadrados
que por vezes me tapa
outras me esconde.
Minha manta de agasalho
da cor certa dos chinelos
poisados no chão
torcidos
naquele jeito de pisar.
Escuta,
na manta envolvo a saudade
o toque, o som, o cheiro
aqueço, embalo.
No casulo dos dias , bloqueada
por aqui
na manta de quadrados
todos os sentidos me falam de ti.


Foto by Allan Jenkins

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Se soubesse voar...





Quando amo sou gaivota
Plano por cima do mar
Asas abertas ao vento
Ah, se soubesse voar…
Sou gaivota sem limites
Só assim eu sei amar
Cavalgando o pensamento
Ah, se soubesse voar…
Mas quando a rota cai rasa
Nas rochas da beira-mar
Ai da gaivota sem asas!
Ah, se soubesse voar…

sábado, fevereiro 10, 2007

Tango

Dança comigo
Não ouves a música?
Aquele som latino marcado
Quente ritmo de sedução
Enlaça-me
Dança-(me)

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

O silêncio por dentro da cor




Sinto uma raiva contida nas esquinas do tempo
um sopro hostil
que tolhe o movimento.
Paro um pouco
afinal os dias podem abrandar
o ritmo interior
sem que nada se parta, se perca
de algum antigo ardor
ou chama vital.
Que sei eu do que me leva?
Que sei do bem ou do mal?
Paro um pouco
ou muito ou tudo ou o que for.
Que se oiça o silêncio por dentro da cor
dos sons
até que a claridade se revele inteira
sem sombras de fingida dor.
Que a balança suba o prato da entrega
leve, leve pena pairando no ar
livre de amarras.
Porque um certo dia essa hora chega
no áspero vento das bandas do mar.
Tempo de pensar.


Foto by M Karez

domingo, fevereiro 04, 2007

Misty morning




… e existem aquelas manhãs em que o nevoeiro cobre tudo de mistério. Não sabemos, não adivinhamos o que está para lá da cortina cinza. Se nos atrevermos a atravessá-lo podemos encontrar, do outro lado, um mundo diferente. Um outro lugar, um outro tempo… Uma nova vida. Hoje, percorri uma dessas misty mornings. Espreitando o nevoeiro. Tentando adivinhar, do lado de lá, a concretização da minha fantasia.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Janela com uma vista (em jeito de Haiku)





A tinta parda dos prédios
Escorre insuspeita sujidade
No verde vivo da paisagem


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A árvore recorta o céu
Em curtos pedaços de azul
No meio das folhas separadas


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Nuvens brancas sem forma
Passando ao sabor do vento
Espreitam pela janela



"Cada haiku capta um momento de experiência, um instante em que o simples subitamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida."

Mundo-Haiku