quarta-feira, novembro 29, 2006

Qualquer dia...






Mensagens
curtas
ditas em sincopado
emoção feita em pedaços
num quadrado.
Claras
ou subliminares
em papel de qualquer cor
traços de tinta escura
-Teu para sempre,
meu amor.

Românticas
plenas de melancolia
à procura de endereço
no grande mar do destino.
Alguém partirá o vidro
qualquer dia, qualquer dia…



Foto by Rebecca Parker

segunda-feira, novembro 27, 2006

No escurinho do cinema...





Colecciono momentos. Na verdade, porque não? Outros coleccionam selos, moedas, obras de arte. A minha colecção não exige investimentos, só algum treino de memória selectiva.
Coleccionar momentos é um pouco como guardar um filme da própria vida. Passado pelas salas de edição e montagem, porque os momentos que guardamos não são a exacta reprodução do real e sofrem uma inevitável selecção. Temos a tendência para enfeitar a vida ou, pelo contrário, para a depurar do que não desejamos recordar.
Se tiro algum prazer da minha colecção? Ah, sim, contemplo os meus momentos preferidos como se os projectasse num ecrã. E, por vezes, salto para dentro da cena e refaço-a. Como teria sido se… Roam-se de inveja, senhores realizadores de cinema!





Imagem: Mia Farrow em "A rosa púrpura do Cairo"

sábado, novembro 25, 2006

A minha Utopia





Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria
(...)


José Afonso, Utopia



Foto publicada no Palavra puxa palavra

quarta-feira, novembro 22, 2006

Escritos da chuva (II)




Pesadelo


A casa tinha fotos nas paredes e nos móveis. Fotos antigas como lembranças daqueles que já tinham partido ou de infâncias perdidas em dias que, hoje, ela via como felizes. Olhavam-na numa muda avaliação. Reprovação? Até as versões dela em molduras diversas pareciam estranhá-la. A chuva batia nos vidros e nem a sensação de conforto a impedia de se ver encerrada nas paredes da casa. A claustrofobia só era cortada pela luz que entrava pela nesga da porta que teimava em deixar aberta, como uma possibilidade de escapar.
Sabia que, lá fora, o ambiente lhe seria adverso. Enfrentar tempestades nunca tinha sido o seu lado forte. Mas os olhares das fotos não a largavam. E a chuva chamava-a, numa melopeia que a atraía. Sorriu a todos os que a observavam, mudos. Ali ou fora daquelas paredes, estariam sempre com ela. Correu para a porta que, lentamente, se ia fechando. Diluiu-se na luz que entrava e desapareceu. O estrondo do trovão abafou o barulho da porta que se fechou atrás dela.





Foto by sbdm zhu

domingo, novembro 19, 2006

Escritos da chuva (I)




Tudo bem!


Nem sequer é tempestade
Nem a chuva bate forte
Há talvez um vento norte
Que traz consigo a saudade

É mais um dia sem drama e a sorte está na vontade
de olhar um céu sem água.
Voam pedaços de mágoa sobre a rama das árvores.



Foto by Ewa Brzozowska

sexta-feira, novembro 17, 2006

Música para o fim de semana





Lila Downs celebrizou-se com o tema "Burn it blue", gravado em dueto com Caetano Veloso para a banda sonora do filme "Frida", que lhe valeu a nomeação para o Óscar de melhor canção original. Na altura, em 2003, Lila foi a primeira artista latina a participar na cerimónia de entrega dos prémios.
Com uma carreira iniciada em 1997 (com o álbum "La sandunga"), esta mexicana é filha de um cinematógrafo e pintor americano, de origem escocesa, e uma indígena mexicana de etnia mixteca. Foi despertada para a música com apenas oito anos, quando cantava com a mãe temas 'mariachi', bebendo na ancestral cultura mexicana grande parte da sua inspiração. Já adolescente, continuou os seus estudos de voz em Los Angeles e em Oaxaca City, acabando estes mesmos com um mestrado em voz e antropologia na Universidade de Minnesota.




Discografia:

•La Sandunga (1997)
•Yutu Tata / Árbol de la Vida (2000)
•La Línea / Border (2002)
•Frida (2002)
•Una Sangre (2004)
•La Cantina - Entre Copa y Copa (2006)


Deste último disco, fica o tema Agua de Rosas, com o desejo de bom fim de semana. E, na falta da água (de rosas, que a outra cai com força), ficam as rosas.






Lila Downs, Agua de rosas

terça-feira, novembro 14, 2006

Babel...




Palavras cruzadas
são ditas sem rima,
não se entende a fala
ou o som no papel.
E gritam por cima
ideias confusas.
Ruídos mesclados
tapam o cristal
da ideia clara,
mítica vibração
que nos aproxima.
E sussurros mansos?
Sons de carícia?
Sonhos contidos.
Perde-se a espera
nos gritos do dia
da vida quimera.

Não se entende a fala
ou o som no papel.
Babel, Babel!



Foto by Maciej Knapa

domingo, novembro 12, 2006

Domingo




O sol da manhã entra pela janela, como se o mundo lá fora chamasse por mim. Hoje é um dia como qualquer outro, apenas mais um domingo no constante fluir do tempo. Não gosto muito de domingos. São estranhos dias parados, interrupções forçadas que nos deixam tempo de sobra para pensar. O sábado é preenchido, é o excitante início do fim-de-semana. O domingo traz-nos melancólicas manhãs e tardes sem fim. Mesmo que mil ocupações as preencham. O domingo é uma espécie de Natal dividido pelo ano. Tal como o Natal, tem algumas coisas de que gosto e muitas que me fazem sentir desconfortável.
Na verdade, não sei bem o que estou a fazer aqui, agarrada ao PC. Vou seguir o sol e caminhar até ao mar. No azul imenso, afogo as minhas interrogações de Domingo. E vem sempre uma qualquer resposta, nem que seja a certeza de que toda aquela água estará ali, para mim. Sempre? No sempre limitado das nossas vidas.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Sei lá...





Sei lá…
à procura de mim…
Será?
Ou apenas um trilho
caminho desvio
por onde vagueio
sem norte, sem fio
que a volta me indique
em busca do nós
que não sei se existe
Não sei…
se o dia virá
que me mostre o fim
desse divagar
por fora de mim
ou se essa busca
de tão insistente
é já só mania
que me leva assim
por cegos caminhos
tão longos
sozinhos.
E o meu eu aqui
bem dentro de mim…



Foto by Rafal Bednarz

segunda-feira, novembro 06, 2006

Pés descalços





Tratou cuidadosamente de tudo.
Escolheu o mais belo vestido guardado há tanto tempo no armário.
Pensou no penteado que lhe ficava melhor.
Ensaiou o toque de pintura que lhe realçaria o rosto.
Queria sentir-se bela.
Decidiu deixar os pés descalços.
Queria sentir-se livre.

Caminhou à beira-mar. Não sabia para onde ir.
Tinha cuidado de tudo menos do destino final. Ficava em aberto…
Sabia que tinha que ser longe da sombra protectora.
Olhou para trás. A mancha vermelha e calorosa chamava-a, num apelo confortável.
O mar estava ali perto e os pés enterravam-se na areia, num jeito quase voluptuoso.
Lentamente, seguiu. Passos hesitantes, pouco a pouco mais seguros.
Quando olhou novamente, a mancha vermelha era só um ponto perdido na lonjura.



Foto by Kenvin Pinardy

sábado, novembro 04, 2006

Manias





Regulamento: "Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do "recrutamento". Ademais, cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blogue."

A Ana P. apanhou-me de férias e resolveu "maniar-me". Então, lá vão algumas das minhas manias mais inócuas (imaginem as outras…):

- Tenho a mania de ir ver o fim dos livros antes de os começar a ler. Corta a emoção mas prefiro não ter grandes surpresas…

- Tenho a mania de refilar altamente ao volante com os outros condutores. Um mau hábito que já me causou alguns dissabores…

- Quando estou preocupada com alguma coisa, tenho a mania de falar sozinha. Um destes dias internam-me, de certeza…

- Tenho a mania das botas no Inverno e das chinelas no Verão. Digamos que a meia estação é que é uma chatice…

- Tenho a mania dos gatos. Não posso viver sem eles. Por isso, tenho dois em casa e deixo aqui a foto do mais velho que tem o nome de uma das minhas paixões: Van Gogh.


A quem vou pedir que conte as suas manias:

Amazing
Bia
Cris
Miudaaa
Pitanga


Foto by vida de vidro

quarta-feira, novembro 01, 2006

Globalizações...





Entrei e esperei um pouco pela habitual pergunta:

- Deseja beber alguma coisa? Já deseja encomendar?

Sem que tenha uma especial simpatia pelos holandeses, reconheço o seu respeito pelo ritmo de quem entra num restaurante ou num café. Entrou, tem todo o tempo do mundo para escolher e ficar a conversar, se lhe apetecer. Até aqui, em Amesterdão, cidade global por excelência, caldeirão de culturas cuja “sopa” resulta em algo excitante e atractivo.
É nesta classificação de “cidade global” que entram as minhas interrogações. Porque há uma “globalização” de que gosto e uma GLOBALIZAÇÂO que detesto. Gosto de encontrar uma marroquina que foi trabalhar em Amesterdão e cujos pais vivem em França. Gosto de a ouvir falar com uma canadiana que se prepara para partir para África com um grupo de amigos. Gosto que, quando sabe que sou portuguesa, encontre no seu vocabulário um sonoro “Obrigado” acompanhado dum lindo sorriso. Gosto que o restaurante seja de comida mediterrânica e que lá oiça falar italiano, francês, sei lá mais o quê…
Mas… não gosto, certamente, que a marroquina sirva à mesa, eu e a canadiana sejamos servidas. Porque existe aqui um padrão que se repete de restaurante em restaurante. Também não gosto que, porque o seu nível de vida lhe permite, a canadiana esteja instalada num dos melhores hotéis da cidade e a maior parte dos que, como eu, são oriundos de países "pequeninos" em tudo, estejam num “limpinho mas pequenino” com aqueles mínimos que o espírito económico holandês nos dá. Porque, afinal, todos querem ficar a dois passos do Museum District e relativamente perto do centro e aí os hotéis são caros. Exigências, exigências…
Serão os contrastes que se repetem nesta e noutras cidades tão atraentes como esta, efeitos perversos dessa tal GLOBALIZAÇÂO que detesto? Não tenho exactamente respostas. Mas, sem dúvida, isto deixa-me a pensar depois do primeiro deslumbramento do contacto mais estreito com esta cidade linda que só conhecia de passagem.




Foto by vida de vidro