sexta-feira, julho 25, 2008

A morte da infância




Lembrava-se daquela manhã marcada na lonjura da infância. Desejava afastar a recordação mas sabia que voltaria, recorrente como a sensação de vulnerabilidade que lhe deixava.
Ainda sentia o pisar suave da tapeçaria da sala dos avós. Parecia abafar a vida, afastar a possibilidade de um grito. Um grito, sequer. Sentia a morte rondar por ali. Não era a morte a ausência da vida? Tão criança era, e já lhe sentia o arrepio. Mas naquela manhã era pior. Quis correr para o quarto do avô. Homem rude, nunca lhe tinha demonstrado grande afecto, mas nem por isso deixava de ser o seu melhor conselheiro. Uma espécie de exponente da sua formação, alguém que lhe abria as portas do mundo dos adultos, confuso e traumático. Ou talvez apenas causador de pena. Dava-lhe segurança avistar a silhueta já curvada, em contra-luz na janela do quarto.
Não era assim naquela manhã de orvalho gelado. Um nó na garganta não o deixava respirar, como se ali fosse ficar em permanente obstrução. Entendeu, sem que ninguém lhe dissesse, que o vulto do avô seria, daí em diante, apenas uma lembrança. E o seu choro silencioso ecoou como o grito que nunca lhe tinham permitido dar, naquela sala.



[Este foi o meu texto para o 3º Jogo das 12 Palavras. As palavras escolhidas foram: afastar, conselheiro, criança, exponente, manhã, morte, obstrução, orvalho, pena, silhueta, tapeçaria, vulnerabilidade. Bom fim de semana para todos e dêem uns minutos de atenção ao que está anunciado ali na barra lateral, fruto do sonho do grupo que tem dado vida a este desafio... ]

27 comentários:

  1. Um texto lindíssimo!!!!

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  2. Profundamente belo e real, a sensação de ausência no ritmo envolvente da palavra tua.
    Acho que já vi "esta casa" ou este corredor ou esta janela, em qualquer lado...
    Bjinho

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  3. Belíssimo! Já o tinha apreciado no conjunto dos outros todos mas continuo a dizer que em separado os textos têm outra dimensão e relevância.

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  4. Ah e esqueci-me de dizer que a fotografia é outra beleza.

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  5. Vida de Vidro

    Provavelmente não recordes de mim, a ausência tomou conta do meu espaço no Fotodicionário e dei de mim um lugar enriquecido marcado por experiências realistas e profundamente belo.

    Sensações de criança, como se voltasse atrás do tempo e partir à descoberta dos sons.

    Este texto está um espectáculo, dotado de mestria onde a escrita flui, um rio contínuo sem fim á vista.

    Beijo a ti,
    Sun Melody (Memorex)

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  6. A infancia con tódolos valores que nos aporta non debe desaparecer, @s nen@s que levamos dentro sempre conosco...

    Beijinhossssss
    ;)

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  7. A infancia con tódolos valores que nos aporta non debe desaparecer, @s nen@s que levamos dentro sempre conosco...

    Beijinhossssss
    ;)

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  8. Já o lera, porém aqui tem outro contorno. Belo.

    Bj.

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  9. gostei muito do texto. excelente. muito bem construido.

    beijo

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  10. Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.

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  11. consegui endereçar reserva deste 22 olhares sobre 12 palavras.
    E há textos que nos entram "dramaticamente" sentidos adentro. Este foi um deles. Temos que gritar nestes espaços que nos calam e quando tal não contece, acabará por acontecer, ainda que num texto literário. Tb o meu avô era essa referência pra mim.

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  12. Belo o texto. Belo e triste ...
    Beijito.

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  13. Pode ser um "jogo" mas as tuas palavras tornaram-no num belo texto donde não está ausente a poésis.

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  14. Maravilha!!!!!Apaixonei-me copmpletamente pelo teu texto!!!
    Jhs mil

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  15. Já tinha lido lá no outro lado...
    mas aqui, talvez pela foto ou por estar isolado dos outros, soou ainda melhor!

    Beijinho

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  16. Tão bem fiadas
    .
    .
    .
    palavras de vida
    .
    .
    bjo de cristal

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  17. Excelente texto, muito criativo.
    Gostei.

    Beijinhos.

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  18. Ola Vida de Vidro

    Passei para deixar uma saudação.
    Bjs

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  19. Pungente e belo, o teu texto.A foto,a sublinhar o ambiente.
    Também gostei muito do teu texto do 5º jogo, cheio de humor doce:))
    Abraço!

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  20. Apenas para dizer que não te sabia de volta...fico contente que estejas por aqui de novo.
    um abraço
    brisa de palavras

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  21. Aqui nasceu o Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...

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  22. Olá,
    Venho fazer uma visita :)
    Beijito.

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  23. Majestosa e altivamente submissa
    Uma árvore curva-se à lagoa
    Encontrei um arco-íris perdido na terra
    Este canto não pára até que a alma doa


    Convido-te a olhar os sentires que emanam do altar do Sol


    Bom fim de semana


    Mágico beijo

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